29.8.05

Parir-se

Ecdise

Emaranham-se hifas
Sobre medos persistentes,
Enroscam-se pífias
Sobre menos importantes

Com formas sutis e variadas,
Explosões de alegria, num micélio,
Desmontam o resto de mistério,
Desfolham as metmorfoseadas.

Desgarram-se lascas
Rasgadas da carne costurada
Sobre realidades opacas.
E a ecdise faz-se sa(n)grada.

Era soterro de estigmas
Encrustrados
Na serendipidade
Dos detalhes de mim
Em auto-comiseração.

A ponta da espada do incomodo
Espeta a matriz de esporos
E arrasta a vontade do novo,
De tear tecidos não escuros...

E nasce um corpo
Sob o sol da bondade
Incipiente corpo de verdade
Nutrido do esterco do porco

Nasce frágil
Mostra fácil a pele pálida
Numa brandura ávida
Por ignorar o passado,
Corar-se no seio da amizade,
Ver-se livre do sonho projetado,
E ser, após a ecdise da realidade,
Vivo na soberba humildade.


BIU
29/08/2005

Serendipidade: arte de transformar detalhes, aparentemente insignificantes, em indícios que permitam reconstruir toda uma história

26.8.05

"...Alta noite já se ia..."

Trilha

Encapuzado.
Num punho, o fogo lamparina
No outro, o cajado tremelica.
Pé e cabeça calejados
Pelo caminho caminhado.

O homem peregrina na terra hostil
Em busca daquilo que ofusca
E afasta a esquina da vida sutil,
De ser tua a sua vida que enrosca.

Neste tecido ilusório de contrários,
Tece soluções a males primários;
Por operações inusitadas
Inocula belezas bordadas.

Dotado do dom de doar
Pesquisas em palavras,
Escrutina as dores do ar,
Donde ardem tesouros, das lavras.

A dor extirpada
Pelo caminho caminhado
Liberta o homem mistificado
E rasga na face fechada
Uma trilha ao sorriso
De ver teu o seu caminho
Que só assim é caminhado.

BIU
22/08/2005

1.8.05

Vínculos.



há uma lágrima que não escorre

está pedrificada dentro de minha identidade

da qual não sei, onde é,

qual sei onde seria?

não escorre por que não há dor, nem

há forma de limpá-la a não ser evitá-la

devo ficar calado nas próximas horas

ficar calado é ficar de bem com o ódio

a plenitude do silêncio é a ferramenta que sustenta

o ócio dos dias e o boçal das famílias

da sujeira impregnada por de baixo das pálpebras

Sei que nada é divino

nada é mistério

porque o mistério é a dor da consternação

há uma lágrima de concreto feito viga

sobrepõe a minhas mãos cansadas, as veias rotas,

caminhos inerentes, escolhas punjentes.

José E. de Castro Ortega


A implosão da mentira (Por Afonso Romano de Sant'Anna)

"Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.


Mentem sobretudo impunemente.
Não mentem tristes,
alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente
que acho que mentindo história a fora
vão enganar a morte eternamente.


Mentem, mentem e calam
mas nas frases falam e desfilam de tal modo nuas
que mesmo o cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura,
mas não se chega à verdade pela mentira
nem à democracia pela ditadura.


Evidentemente crer que uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo permanentemente.


Mentem, mentem caricaturalmente,
mentem como a careca mente ao pente,
mentem como a dentadura mente ao dente
mentem como a carroça à besta em frente,
mentem como a doença ao doente,
mentem como o espelho transparente
mentem deslavadamente como nenhuma lavadeira mente ao ver a nódoa sobre o
rio
mentem com a cara limpa e na mão o sangue quente,
mentem ardentemente como doente nos seus instantes de febre,
mentem fabulosamente como o caçador que quer passar gato por lebre
e nessa pilha de mentiras a caça é que caça o caçador
e assim cada qual mente indubitavelmente.


Mentem partidariamente,
mentem incrivelmente,
mentem tropicalmente,
mentem hereditariamente,
mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente
constróem um país de mentiras diariamente."