28.6.06
Brecha promocional
Calo
Semeados na lavoura do tempo, comprimidos sentimentos eclodem em contexto favorável, necessários ao concreto esfolhear de uma natureza inalienável, enquanto Tamires deixa o fogo ferver.
O pó acomoda-se em ruínas e o sumo desterrado preenche a espelhada face aos pingos na madrugada enfraquecida.
O indicador leva a xícara até a boca aberta e o gole fervente recolhe o olhar pasmado no azulejo bege. Aperta os olhos e o liquido preto fervilha goela abaixo:
- Caralho, puta merda, porra! – num ato reflexo.
A língua queimada pressiona o palato de Tamires e as terminações nervosas escaldadas alarmam o sistema proprioceptivo, mas em vão. Como tantas outras sensações, as informações de injuria não afetam a consciência. Resvalam sem surtir efeito, como os galhos do sertão no couro sobre a pele cangaceira.
Repressão calejada ao longo de vinte e cinco anos de luto persiste sob o robbie azul-marinho muito bem enlaçado, arrochado na barriga, e nos dedos retesados dos pés em macias chinelas brancas, enquanto a Dona busca sua correspondência na caixa do quintal.
O verde do jardim descuidado não passa de uma sombra na retina quando Tamires transpõe o carnê de IPTU para trás dos envelopes e estanca o passo arrastado no concreto: uma lucidez jamais experimentada transborda a depressão.
Como lava escorrente, um plasma de interesse subitamente recobre as trivialidades do amarelecido mundo (tal qual placas de tártaro), e um sentimento de completude esfolheia no espírito de Tamires quando descobre a unicidade das imagens daquele papel: a queima de estoque de tevês de tela plana das Casas Bahia...
Felipe Modenese
Oficina CPFL 24-06-2006
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