2.3.06

O literário nada do real

Papéis em branco (1997)

Fechem as cortinas
celebrem o fim
não temam
não há mais nada a fazer
nada a dizer
não há mais jornais
não há mais bíblias
não há mais mais
apenas o nada
alimentando-se do vazio
hoje é o dia que sempre foi
sem nunca existir
vamos sentar e apreciar a vista
pois nossos olhos não mais vêem
apenas sentem
nosso corpo em estranha modéstia
curva-se diante da própria sombra
tornando-a real
agora a lei é única
agora a lei não é
as palavras não são mais necessárias
agora sabemos o caminho de casa

Eduardo Gil


o lamento (1989)

O lamento da literarura com seus gorjeios e trinados, percorrendo a escala das emoções. É um vento aventureiro desfazendo tranças e arreliando rendas delicadas. A delicadeza de certas mãos que em sonhos tocam a imaginária cintura do sonhador iludido e no final compõem pontes de absurdo sentido entre imagens soltas e acabadas. Tontas cavalgadas por prdarias absolutamente inconcebíveis - e o real se retira humilhado perante o referido inatingível esplendor. Secam gerânios, begônias e nardos. A ordem é revisada. O caos dos corpos a sós. Certas formas se acentuam, procuram-se para grifar-se e, ao coincidir consigo mesmas, sucumbem ao júbilo de se sentir indescritíveis. Prodígios da metamorfose imperceptível!

em Poros ("Language is a virus from outer space"- Burroughs)
de Rubens Rodrigues Torres Filho