Série “O minhocário”
I - Fezes, Urina e Sangue. Bastante deste último
Uma leve palpitação, suores e um sopro frio na boca do estomago apareceram centésimos de milésimos antes de Carmen receber a consciência a lembrança de que tinha de buscar os resultados dos exames laboratoriais.
Os medos e neuroses kaypislonizam a atenção de Carmen. Várias vezes a tira de papel dobrada no console do Fusca sinalizou fantasmas bafejando sua mente, mas escorregavam pela aflição aos possíveis desdobramentos de uma doença fatal, à ramificações onipresentes da morte.
Entretanto, naquele momento, naquela situação céstica da tarde, um impulso de enfrentar a vida e seus dissabores sofregamente emergiu. Tinha de encarar sua doença, mesmo sendo uma doença de doenças.
Só de pensar os analistas do laboratório poderiam ter feito um teste de AIDS, Carmen reconheceu um calor na face. Encarou a morte eminente e irremediável.
Aceitou o desafio.
Hoje ou nunca mais poderá fazer as pazes com seu corpo, sua intimidade. Que a detecção precoce de sua enfermidade ideal possa aumentar as chances de sua sobrevida. No caminho do guichê do galpão de arquivos, imagina quem será o primeiro a receber a noticia, quem poderá oferecer o melhor acolhimento, sem pena – Carmen nunca gostou de ser a coitadinha. Sabe com quem poderá fazer os primeiros pedidos dos coquetéis. Lembra de um ator na TV que disse ser aidético há 17 anos. Soma o número a sua idade atual e chega a um bom numero para sua morte, seu enterro, ainda mais se comparado com os tuberculosos de antigamente, os suicidas românticos ou os desnutridos recém-nascidos africanos. Aceitou a morte.
Enquanto Alzira busca a pasta com os resultados dos exames, Carmen olha a figura obesa e crente da secretária: a blusa clara florzinhas, a saia azul, a sandália preta, o cabelo crespo preso com uma piranha vermelha, o brotamento dos pêlos raspados na face formando uma barba macia, seu jeito amoroso e solicito.
Alzira traz as folhas com letras impressas – de certo é de uma das primeiras impressoras Epson lançadas e descartada por outros departamentos do hospital. A palpitação amortecida por uma coragem que dá as caras pela primeira vez.
Teve raiva da médica que pediu os exames. Quando foi ao clinico geral, queria apenas uma opinião sobre pêlos que encravavam na virilha. “Pra não perder a viagem”, a médica sugeriu fazer analises dos fluidos corporais e das fezes.
Aos poucos, a visão embaralhada define os caracteres nos papel. Não localiza nenhuma sentença ou veredicto, apenas números, porcentagens seguidos de unidades sem significado algum. Não há nenhum URGENTE em vermelho, mas também não há nenhuma absolvição, uma chave para suas correntes.
Os “negativos” não informam, não dissolvem a nuvem de desespero que irrompem pelas trincas de seu rosto em sorrisos de despedida da atendente. Aos poucos, Carmen percebe que, na frente de cada variável analisada, há um intervalo de normalidade para as medidas. Confere todos os parâmetros do sangue e urina... Mas e os das fezes?
Voltou ao guichê. O exame das fezes não está pronto. Uma iluminação chega a carmen. Uma confirmação de que algo está errado. Eles, provavelmente, devem tomar providencias mais drásticas dada a violência que a descoberta da doença intestinal pode provocar no hospedeiro, ao menos conclui isso o bolo de minhocas da cabeça de Carmen.
Parasitas, doença de Chagas, vermes, esquistossomose, larvas, mosquitos, ovos na corrente sanguínea, lombrigas, ventosas, tênia, carne de porco mal-passada, hospedeira, poças, descalça, frieiras, verduras mal-lavadas, os passeios, as comidas caseiras, de sitio de fim de semana...
Tudo é uma turbulência na cabeça de Carmen. Trancou o cú e ganhou mais uma minhoca subiu para sua coleção.
Biu
30-11-2006
I - Fezes, Urina e Sangue. Bastante deste último
Uma leve palpitação, suores e um sopro frio na boca do estomago apareceram centésimos de milésimos antes de Carmen receber a consciência a lembrança de que tinha de buscar os resultados dos exames laboratoriais.
Os medos e neuroses kaypislonizam a atenção de Carmen. Várias vezes a tira de papel dobrada no console do Fusca sinalizou fantasmas bafejando sua mente, mas escorregavam pela aflição aos possíveis desdobramentos de uma doença fatal, à ramificações onipresentes da morte.
Entretanto, naquele momento, naquela situação céstica da tarde, um impulso de enfrentar a vida e seus dissabores sofregamente emergiu. Tinha de encarar sua doença, mesmo sendo uma doença de doenças.
Só de pensar os analistas do laboratório poderiam ter feito um teste de AIDS, Carmen reconheceu um calor na face. Encarou a morte eminente e irremediável.
Aceitou o desafio.
Hoje ou nunca mais poderá fazer as pazes com seu corpo, sua intimidade. Que a detecção precoce de sua enfermidade ideal possa aumentar as chances de sua sobrevida. No caminho do guichê do galpão de arquivos, imagina quem será o primeiro a receber a noticia, quem poderá oferecer o melhor acolhimento, sem pena – Carmen nunca gostou de ser a coitadinha. Sabe com quem poderá fazer os primeiros pedidos dos coquetéis. Lembra de um ator na TV que disse ser aidético há 17 anos. Soma o número a sua idade atual e chega a um bom numero para sua morte, seu enterro, ainda mais se comparado com os tuberculosos de antigamente, os suicidas românticos ou os desnutridos recém-nascidos africanos. Aceitou a morte.
Enquanto Alzira busca a pasta com os resultados dos exames, Carmen olha a figura obesa e crente da secretária: a blusa clara florzinhas, a saia azul, a sandália preta, o cabelo crespo preso com uma piranha vermelha, o brotamento dos pêlos raspados na face formando uma barba macia, seu jeito amoroso e solicito.
Alzira traz as folhas com letras impressas – de certo é de uma das primeiras impressoras Epson lançadas e descartada por outros departamentos do hospital. A palpitação amortecida por uma coragem que dá as caras pela primeira vez.
Teve raiva da médica que pediu os exames. Quando foi ao clinico geral, queria apenas uma opinião sobre pêlos que encravavam na virilha. “Pra não perder a viagem”, a médica sugeriu fazer analises dos fluidos corporais e das fezes.
Aos poucos, a visão embaralhada define os caracteres nos papel. Não localiza nenhuma sentença ou veredicto, apenas números, porcentagens seguidos de unidades sem significado algum. Não há nenhum URGENTE em vermelho, mas também não há nenhuma absolvição, uma chave para suas correntes.
Os “negativos” não informam, não dissolvem a nuvem de desespero que irrompem pelas trincas de seu rosto em sorrisos de despedida da atendente. Aos poucos, Carmen percebe que, na frente de cada variável analisada, há um intervalo de normalidade para as medidas. Confere todos os parâmetros do sangue e urina... Mas e os das fezes?
Voltou ao guichê. O exame das fezes não está pronto. Uma iluminação chega a carmen. Uma confirmação de que algo está errado. Eles, provavelmente, devem tomar providencias mais drásticas dada a violência que a descoberta da doença intestinal pode provocar no hospedeiro, ao menos conclui isso o bolo de minhocas da cabeça de Carmen.
Parasitas, doença de Chagas, vermes, esquistossomose, larvas, mosquitos, ovos na corrente sanguínea, lombrigas, ventosas, tênia, carne de porco mal-passada, hospedeira, poças, descalça, frieiras, verduras mal-lavadas, os passeios, as comidas caseiras, de sitio de fim de semana...
Tudo é uma turbulência na cabeça de Carmen. Trancou o cú e ganhou mais uma minhoca subiu para sua coleção.
Biu
30-11-2006