Linha Reta
(pausa)
Suspiro.
E eu, que era rodeado de amigos,
Pensava: tinha o controle da situação.
Olho e vejo-me, indivíduo desesperado,
O chão sobre o qual pisava
Agora se move; tornou-se movediço,
armadilha de meus próprios passos.
A ausência do amor partido
Suscita o temor da espera...
É preciso continuar a caminhada.
Por que digo isto?
Suspiros de um angustiado,
Nada tenho a esconder.
Aquilo que errei?!
Se ao menos existisse...
Os caminhos sobre os quais trilhei
Tornaram-se desconexos...
Onde hei de chegar com esta prosa?
“O círculo possui a singular propriedade
De ser uma linha reta sem começo ou fim,
Tal qual o suplício da ansiedade
Com que hei de encerrar este desabafo!”
(pausa)
Mais um suspiro.
JR Mialichi
31.10.06
Respostas
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas?
Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
Alberto Caeiro ("O Guardador de Rebanhos")
18.10.06
Tempo hipopotametal
Um esforço moroso e abafado pela limitada capacidade de efetiva ação tira o corpo obeso do poço esverdeado de merda mole.
Sobe os degraus de concreto submersos.
Os passos vagarosos conduzem a cabeça baixa do animal pela terra batida até a poça do canto. Fareja a água empoçada enquanto a barriga acortinada por camada lateral de gordura fica submersa. Larga-se e as narinas rosas continuam a respiração...
...mergulhada num tempo próprio, desnaturada pelo inchaço das horas, desprovido de sua inerência biológica , de sua capacidade propulsora de uma sexualidade.
As paredes e grades retém o tempo hipopotametal desatado do universo civilizado, inerte aos ruídos visitantes, aos dias e noites.
Sensível apenas às baias plenas de frutas e verduras e às cagadas verdes e bem definidas ao longo do embosteado fluxo do dia.
Sobe os degraus de concreto submersos.
Os passos vagarosos conduzem a cabeça baixa do animal pela terra batida até a poça do canto. Fareja a água empoçada enquanto a barriga acortinada por camada lateral de gordura fica submersa. Larga-se e as narinas rosas continuam a respiração...
...mergulhada num tempo próprio, desnaturada pelo inchaço das horas, desprovido de sua inerência biológica , de sua capacidade propulsora de uma sexualidade.
As paredes e grades retém o tempo hipopotametal desatado do universo civilizado, inerte aos ruídos visitantes, aos dias e noites.
Sensível apenas às baias plenas de frutas e verduras e às cagadas verdes e bem definidas ao longo do embosteado fluxo do dia.
4.10.06
Ainda Assim...
Still I Rise
You may write me down in history
With your bitter, twisted lies,
You may trod me in the very dirt
But still, like dust, I'll rise.
Does my sassiness upset you?
Why are you beset with gloom?
'Cause I walk like I've got oil wells
Pumping in my living room.
Just like moons and like suns,
With the certainty of tides,
Just like hopes springing high,
Still I'll rise.
Did you want to see me broken?
Bowed head and lowered eyes?
Shoulders falling down like teardrops.
Weakened by my soulful cries.
Does my haughtiness offend you?
Don't you take it awful hard'
Cause I laugh like I've got gold mines
Diggin' in my own back yard.
You may shoot me with your words,
You may cut me with your eyes,
You may kill me with your hatefulness,
But still, like air, I'll rise.
Does my sexiness upset you?
Does it come as a surprise
That I dance like I've got diamonds
At the meeting of my thighs?
Out of the huts of history's shame
I rise
Up from a past that's rooted in pain
I rise
I'm a black ocean, leaping and wide,
Welling and swelling I bear in the tide.
Leaving behind nights of terror and fear
I rise
Into a daybreak that's wondrously clear
I rise
Bringing the gifts that my ancestors gave,
I am the dream and the hope of the slave.
I rise
I rise
I rise.
Maya Angelou
(Tradução: Mauro Catapodis
AINDA ASSIM, EU ME LEVANTO
Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.
Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.
Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.
Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minh'alma enfraquecida pela solidão?
Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.
Pode me atirar palavras afiadas,
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.
Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
Porquê eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?
Da favela, da humilhação imposta pela cor
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.
Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto. )
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