31.1.06

É vero!

APRENDENDO A VIVER...

Aprendi que se aprende errando
Que crescer não significa fazer aniversário
Que o silêncio é a melhor resposta, quando se ouve uma bobagem
Que trabalhar significa não só ganhar dinheiro
Que amigos a gente conquista mostrando o que somos
Que os verdadeiros amigos sempre ficam com você até o fim
Que a maldade se esconde atrás de uma bela face
Que não se espera a felicidade chegar, mas se procura por ela
Que quando penso saber de tudo ainda não aprendi nada
Que a Natureza é a coisa mais bela na Vida
Que amar significa se dar por inteiro
Que um só dia pode ser mais importante que muitos anos
Que se pode conversar com estrelas
Que se pode confessar com a Lua
Que se pode viajar além do infinito
Que ouvir uma palavra de carinho faz bem à saúde
Que dar um carinho também faz...
Que sonhar é preciso
Que se deve ser criança a vida toda
Que nosso ser é livre
Que Deus não proíbe nada em nome do amor
Que o julgamento alheio não é importante
Que o que realmente importa é a Paz Interior
E finalmente, aprendi que não se pode morrer, prá se aprender a viver...
(Carlos Castañeda)

"Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo,
qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim". Chico Xavier

e-mail enviado por Mariana Vieira

28.1.06

Segredinho

"O segredo de toda verdadeira arte está, talvez, onde a razão e a magia se tornam uma coisa só".
Herman Hesse (1877-1962)

25.1.06

Alvura de Rubem

Poesia
Por Rubem Alves (em uma introdução ao mês de outubro de uma agenda de 2001)

Poesia não é uma expressão do ser do poeta.
A poesia é uma expressão do não-ser do poeta.
O que escrevo não é o que tenho; é o que me falta.
Escrevo para me completar.
Minha escritura é o pedaço arrancado de mim.
Escrevo porque tenho sede e não sou água.
Sou pote.
A poesia é água.
O pote é um pedaço de não-ser cercado de argila por todos os lados, menos um.
O pote é útil porque ele é um vazio que se pode carregar.
Nesse vazio que não mata a sede de ninguém pode-se colher, na fonte, a água que mata a sede.
Poeta é pote.
Poesia é água.
Pote não se parece com água.
Poeta não se parece com poesia.
O pote contém a água.
No corpo do poeta estão as nascentes da poesia.
Não.
Não escrevo que sou.
Sou pedra.Escrevo pássaro.
Sou tristeza.Escrevo alegria.
A poesia é sempre o reverso das coisas.
Não se trata de mentira.
É que somos seres dilacerados.
O corpo é o lugar onde moram as coisas amadas que nos foram tomadas, presença de ausências, daí a saudade, que é quando o corpo não está onde está.
O poeta escreve para invocar essa coisa ausente.
Toda poesia é um ato de feitiçaria cujo objetivo é tornar presente e real aquilo que está ausente e não tem realidade.
“Like a bridge over troubled waters...”
O que escrevo é uma ponte de palavras que tento construir para atravessar o rio.

24.1.06

Dito e Feito

3 - Poesia e romance

Folha - O que você diria que alguém de 17, 18 anos deveria estar lendo agora para ter uma noção do seu próprio tempo?

Paglia - Poesia. O pós-estruturalismo privilegiou o romance. É no romance que as técnicas da desconstrução funcionam melhor. Com a poesia, não. E, para mim, o poema -o curto, em especial- faz muito mais parte da nossa época. O poema curto equivale a uma canção, que se escuta inteira no rádio, ou a uma pintura, que se pode ver isolada. Já um romance pode exigir duas ou três semanas de leitura, com um esforço especial de atenção para a linearidade das idéias. E esse tempo e essa atenção são cada vez menos disponíveis, mesmo para os jovens.Eu adoro os romances do século 19, mas não tenho entusiasmo pelo romance anglo-americano contemporâneo. Os últimos romances que li a sério foram [três grandes obras do modernismo europeu] "Rumo ao Farol", de Virginia Woolf, "A Montanha Mágica", de Thomas Mann, e "Ulisses", de James Joyce, romances em que se percebe uma espécie de fusão entre poesia e prosa. Já o romance anglo-americano atual... O que é essa ficção, comparada à vitalidade que se vê por todos os lados, no cinema, na TV, até na internet ou em videogames?

Camille Paglia
em entrevista à Folha - caderno Mais de 10 de abril de 2005


tecnoplágio

A Terra parou?!?
Ou a web caiu...

07-08-2005

23.1.06

Cidade Vísivel

Farinha ao Menos

Sentado numa cadeira metálica do bar da Lila, de esquina, sem consumir nada, de favor, em frente à praça, Ioiô relata os episódios do dia, enquanto cobiça os bancos da praça central:

Depois de 20 km serpenteando pelos mares mineiro-capixaba-cariocas, Iaiá e Ioiô andaram mais 3 km por estrada de asfalto até Farinha ao Menos, durante os quais placas devidamente espaçadas retomavam um a um, os dez mandamentos. Por descuido de conversa, Ioiô perdera o da cobiça. . .
Chegaram.
Foram conhecer a cidade e suas janelas de olhar vagaroso, a praça central (central mesmo), com posto com uma bomba ancestral, o armazém de produtos animais, a chuva torrencial, o coreto necessário, as sedes de igrejas, o armazém local, que fornece o município há “muito tempo, ahhh! Muito tempo mesmo”, as eiras e beiras das casas, a catedral. Mas pararam de andar. O caminho tinha-lhes sido interrompido: nunca viram tanto entulho acumulado.
A cidade está com um sério problema: o tempo passa muito devagar para conseguirem dar conta de recolher tanta conversa que é jogada fora.
Nem o gari, de laranja fosforescente, consegue dar conta de tanto chamado. Os farinha-ao-menses telefonam e o homem sai correndo, de bicicleta, em busca de bitucas nos meio-fios (que vão, devagar, mas vão). O primeiro disk-gari do país.

De queixos segurados (e seguros, também), os homens conversam devagar, de janela a janela, se o tempo vai “firmá” ou se vai “chovê”. É quando decidem deixar e ver o tempo passar jogando conversa fora.
Iaiá e ioiô ficaram de queixos caídos. Como os cidadãos lidarão com tamanha quantidade. Talvez por isso o tempo ia devagar: tem que decompor, no seu caminho, tanta conversa fiada (bem fiada mesmo. . .) da gente que troca um dedinho de prosa enquanto segura o queixo embasbacado com o tempo demorado.
Dedinho em dedinho, as pessoas não sabiam quais eram seus mais. Trocavam tanto que perdiam os seus próprios e confundiam com os de outros. Mas nada de mais. Nem de menos. As pessoas parecem não saber nem quem são. É tanto troca-troca sobre a vida não sua que não sabem mais reconhecer a própria sua. Soam através das bocas de bocas de outras pessoas e acabam anulando a identidade que nunca foram.

Ioiô, às 22, foi-se embora pois lhe chegou um medo de não conseguir voltar sozinho, sem ajuda, ao local de acomodação.
O tempo passou, embora se vê que não passa.
Êta vida boa meu deus!!! Talvez um pôco besta vai. . .
BIU
09-01-2006

Cidade pequena

Na praça de Farinha ao Menos,
Destroços de lemos e remos
Arpejam a jangada chegada
Toda esburacada de pedra dourada

A cidade faria, lemos
No parquinho da central ,
Destroçado,
Bons cidadãos se, ao menos,

Pendurasse cadeiras na corrente do balanço
(Cujos elos remanescentes oscilam em fase,
Assim como os cidadãos, em fase...
De jogar conversa fora
De segurar, sem questionar,
O queixo caído
De tanta emoção),

Prendesse tábuas de assento
No sobe-desce da gangorra
(Que nem sobe nem desce:
Permanece...
Inclinada como uma ponta enferrujada
Ao ar
E outra enterrada no liso da areia,
Aplainada pela chuva,
Sem ser brincada,
Enfiada na areia, inerte ao tempo,
Que, aliás, teima em não passar
No lugarejo enterrado na serra,
Num Sossego tremendo,
Sem pressa de mudar),

Colocasse o disco no eixo do gira-gira
E girasse, apenas girasse...
(Como o que sabe não poder decolar,
Mas interessa-se em conhecer
As redondezas do lugar de brincar
E brincar
No mundo tão pequeno
Panorâmico
Sujando-se da beleza do local
Girando
Humilde, mas consciente
De fazer parte de um projeto maior
E deixar a conformidade ignorante)

E acertasse o movimento basculante
Do brinquedo sem nome
(Assim como esta gente praça,
morando na paz de graça.
Gente evoluída que só:
Conversa e deixa o tempo passá,
Sem muita questão pra colocá,
Além de questioná se o tempo vai virá,
E se não tem mais o que fazê pra mó
De fazê a gente daqui dorá mais um tiquinho).

BIU
10-01-2006

18.1.06

Docentes, Mestres, Cágados, Cupins e Protozoa

Exame de qualificação

…enquanto isso, três cupins operários, membros do filo Arthropoda, da Classe Insecta e da Ordem Isoptera, sob o tampo da mesa, de ponta cabeça , disputam qual leva o fiapão de cortiça de volta ao cupinzeiro que fica além da janela do auditório do instituto, sob o sol dos trópicos.
Sem questionar se o ganho eletromagnético dos pontos quânticos das camadas moleculares das cabeças de fibras de miosina dos feixes musculares de seus aparelhos roedores, nem se a solução da aplicação da teoria quântica de perturbação de segunda ordem à equação de Schrödinger dependente do tempo gera uma matriz de transição do bulk quântico em movimento browniano do grupo carboxila das proteínas do ritidoma lenhoso das dicotiledôneas, os insetos disputam quem receberá as cobiçadas congratulações da rainha cupim.
Disputam a consagração de seu heroísmo.
Heróis sim. Não ousem pensar que é fácil esquadrinhar todas as encadeadas janelas do auditório em busca de uma estreita passagem para os tesouros dos tecos de cortiça da madeira de lei do tampo da mesa, nem combinar os movimentos das patas articuladas por um caminho esconderijo, cruzando cabos de microfones, Internet, fios de eletricidade, sem provocar ruídos acima de 20dB, nem provocar impressões de movimento nas retinas humanas.
Sem tomar conta da pressão exercida pelo orientador sobre o mestrando para que acelere, sendo exímio explanador, sua apresentação do exame de qualificação sobre seu trabalho realizado a respeito dos ganhos em laser de diodos semicondutores em função da injeção de portadores, um grupo de protozoários tripanossoma, membros do Reino Protista, do filo Euglenozoa, da classe Zooflagelatea e, com orgulho, da espécie Trypanossoma cruzi, investigam os tecidos das entranhas de um dos cupins para descobrir se de fato atingiram o hospedeiro intermediário adequado.
Nem cogitem pensar que é tranqüilo confinar os movimentos vibratórios do ar do exoesqueleto de queratina do inseto (barbeiro, supostamente) de modo a amplificar os efeitos Doppler em três dimensões a fim de localizar se hospedeiro favorito, nem investigar camadas e camadas celulares através do acoplamento do flagelo ao retículo endoplasmático das células hospedeiras e descobrir, para surpresa frustrante, que não se trata de um ambiente favorável ao acasalamento e proliferação e que também não conseguirão atingir o paraíso dos macrófagos e miócitos de humanos, seu hospedeiro definitivo...
São também, sim, senhores, heróis. Frustrados, mas heróis.
Afinal, quem é mais frustrado: o orientador da tese, o aluno de mestrado, os dois cupins perdedores, ou a família dos Cruzi? Ou ainda o cágado, membro da Ordem Testunidata e família Chelidae, que anda vagarosamente pela sala fechada roçando seu casco duro nas paredes brancas duras?
Teoriza-se que os protozoários são menos frustrados. Seus questionamentos, retirado todo o peso emocional da descrição toda, são de ordem existencial mais prática. Têm menos interrogações na mente. E as presentes, são mais objetivas. De modo que são menos, probabilisticamente, passíveis de passarem por frustrações irreparáveis e crises existenciais. Assim, mais dificilmente entristecidos, mais felizes, aptos a sobreviver e deixar descendentes do que os cupins, o cágado, o aluno, e lógico, o orientador. Perdendo evolutivamente apenas para as gramíneas de fora, supondo-se haver, pois o filme preto sobre os vidros dificulta a averiguação.
Traça-se aqui um exemplo da Teoria Evolutiva da Aceitação, em que seres são mais evoluídos quanto menos são os questionamentos contra os quais se debatem, desfrutando de uma existência mais serena, numa esfera mais pacífica.
De onde se conclui que somos da espécie mais primitiva, sendo o orientador, sem dúvidas (e com todas as dúvidas, suas) um dos mais primitivos de nossa era...
BIU
05-01-2006

Aprendendo

A tonga da mironga do kabuletê
Vinicius de Moraes / Toquinho

Eu caio de bossa
Eu sou quem eu sou
Eu saio da fossa
Xingando em nagô
Você que ouve e não fala
Você que olha e não vê
Eu vou lhe dar uma pala
Você vai ter que aprender
A tonga da mironga do kabuletê
A tonga da mironga do kabuletê
A tonga da mironga do kabuletê
Eu caio de bossa
Eu sou quem eu sou
Eu saio da fossa
Xingando em nagô
Você que lê e não sabe
Você que reza e não crê
Você que entra e não cabe
Você vai ter que viver
Na tonga da mironga do kabuletê
Na tonga da mironga do kabuletê
Na tonga da mironga do kabuletê
Você que fuma e não traga
E que não paga pra ver
Vou lhe rogar uma praga
Eu vou é mandar você
Pra tonga da mironga do kabuletê
Pra tonga da mironga do kabuletê
Pra tonga da mironga do kabuletê


Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Houaiss

Tonga
Acepções■ substantivo de dois gêneros Rubrica: etnologia. 1 indivíduo dos tongas v substantivo masculino Rubrica: lingüística. 2 língua banta falada em Moçambique e no Zimbábue ■ adjetivo de dois gêneros 3 relativo a tonga (acp. 1 e 2) ou próprio do povo desse nome ■ substantivo masculino Regionalismo: Angola. 4 campo para capinar, para desbravar 5 Regionalismo: São Tomé e Príncipe. filho de pais estrangeiros nascido na República Democrática de São Tomé e Príncipe tongas ■ substantivo masculino plural Rubrica: etnologia. 6 grupo étnico que habita a parte sul do rio Save, grande parte de Manica e parte da província de Tete, em Moçambique Etimologiaquicg. tonga ou thonga 'corpulência'

Mironga

Acepções■ substantivo feminino 1 mistério, segredo Ex.: as m. de umbanda 2 altercação, briga Etimologia segundo Nei Lopes, quimb. milonga, pl. de mulonga 'queixa, injúria'
Sinônimos ver sinonímia de feitiço

Cabuleté
Acepções■ substantivo masculino Regionalismo: Brasil. Uso: informal. indivíduo desprezível; bisbórria Etimologia orig.duv., talvez do quimb. mubulute 'vagabundo'

3.1.06

Tua criação e sua invenção

Iniciação

E nem mais existirá a esperança do trágico...
E no vazio,
em vão apelareis para as grandes catástrofes,
para a vaidade do ranger de dentes,
para o pavoroso das formas não de todo feitas,
sob o terrível das forças verticais...
Sumirão as espadas suspensas de fios,
sumirá a mão que escreve nas paredes
do festim velho,
e a esfinge dormirá nas areias eternas...
Somente o segredo, acordado, no caminho claro,
na encruzilhada de todos os caminhos,
andando na tua frente, desvendado,
mais difícil de crer do que de decifrar...
Teu pensamento, tua fé e teu desejo,
criando, à tua escolha, o teu destino...
E se fores forte,
olha bem para cima,
para ver como é sorrindo
que morre o teu Pai...

João Guimarães Rosa - poema "Iniciação" do livro "Magma" (pág. 71)



Um bicho que se inventa
Ferreira Gullar
Folha de São Paulo - 01-01-2006 - Ilustrada

Toda pessoa necessita que as demais pessoas a reconheçam tal como ela acredita que é, tal como se inventa para si mesma. Isto significa que, porque somos uma invenção de nós mesmos, o reconhecimento do outro é indispensável a que esta invenção se torne verdadeira. Por isso, se é certo, como disse Jean-Paul Sartre, que "o inferno são os outros", é certo também que está neles o sentido de nossa existência.
Um recém-nascido não é ainda um cidadão, quase diria que, a rigor, ainda não é gente: trata-se de um bichinho que traz consigo, potencialmente, todas as qualidades que o tornarão de fato uma pessoa. Sim, porque uma pessoa, mais que um ser natural, é um ser cultural.
Certamente, não pretendo dizer que a pessoa não seja o seu corpo material, esse organismo que pulsa, respira e pensa; tanto é que, sem ele, simplesmente ela não existiria, e é nele que repousam todas as qualidades que permitirão o surgimento da pessoa humana que cada recém-nascido se tornará.
Mas não há nenhum fatalismo nisso. Se é verdade que o recém-nascido já possui qualidades e traços próprios que o tornam diferente de todos os outros, não significa que se tornará inevitavelmente o indivíduo X. Não, o que ele se tornará -e é imprevisível- dependerá em boa parte de como assimilará os valores que a educação lhe ofereça. No princípio, o que ele aprende são as normas básicas de sobrevivência e convívio. Só mais tarde conhecerá os valores que absorverá de acordo com suas idiossincrasias, face aos quais reagirá de maneira própria e, assim, irá, passo a passo, se formando e se inventando como ser humano.
A sociedade humana foi inventada por nossos antepassados. Quem nasce hoje já a encontra inventada, material e espiritualmente, com seus equipamentos, valores e princípios que a constituem e definem. É dentro desta realidade cultural, complexa e contraditória, que ele vai se inventar como indivíduo único e inconfundível.
Porque cada um de nós quer ser assim: único e inconfundível.
Viver é, portanto, inventar-se: inventar sua vida, sua função no mundo, sua presença. Obviamente, nem todos têm a mesma capacidade de inventar-se e reinventar o mundo. Alguns levam essa capacidade a ponto de mudar de maneira radical o universo cultural que encontraram ao nele integrar-se, como o fizeram por exemplo Isaac Newton ou Albert Einstein, Sócrates ou Karl Marx, William Shakespeare ou Wolfgang Goethe, Leonardo da Vinci ou Pablo Picasso...
Mas a humanidade não é constituída apenas de gênios, que, na verdade, são exceções. Não obstante, todas as pessoas, em maior ou menor grau, se inventam e contribuem para que o mundo humano se mantenha e se renove. Aliás, se os gênios contribuem para a reinvenção do universo cultural -que é o nosso espaço de vida-, a vasta maioria das pessoas é responsável pela preservação do que já foi inventado. Por isso mesmo, a maioria é conservadora e freqüentemente resiste às mudanças e inovações. É que essa maioria não tem noção de que vive num mundo inventado, de que a vida é inventada e de que os valores, que lhe parecem permanentes, também o são. Eles não foram ditados por nenhum ente divino, mas inventados pelos homens conformes suas necessidades e possibilidades. E também, conforme elas, podem ser mudados.
O homem é o único animal que se inventa e inventa o mundo em que vive. A colméia, que a abelha fabrica hoje, tem os casulos da mesma forma hexagonal que tinha desde que surgiram no planeta as primeiras abelhas. Já o habitat humano vem mudando desde sempre, da caverna natural ao casebre, que se transformou em aldeia, povoado, cidade até chegar à megalópole de hoje. O homem, para o bem ou para o mal, mudou a face do planeta, utilizou os recursos naturais para produzir seu mundo tecnológico e dinâmico. Mudou a natureza, alterou o seu funcionamento biológico, meteorológico, sísmico. Seu habitat é primordialmente a cidade, esta complexíssima máquina que só funciona graças à tecnologia que inventamos e desenvolvemos incessantemente.
Quando digo que o homem se inventa, não sugiro que se trata de mera fantasia sem base na realidade . Newton inventou o cálculo infinitesimal, linguagem das ciências exatas, que não existia. A ciência inventou as leis da física, que sempre atuaram na natureza, mas que eram como se não existissem no entendimento humano. As invenções da arte são de outro tipo: Shakespeare inventou a complexidade da alma humana que, se não fosse ele, estaria como se não existisse. Ou seja, a partir da natureza ou de sua imaginação, o homem se inventa e constrói um universo cultural que é seu verdadeiro espaço de existência.
O homem criou também, além do mundo material, além da ciência e da técnica, o mundo simbólico da filosofia, da música, da poesia, do teatro, do cinema. Inventou os valores éticos e estéticos. Inventou a Justiça, embora sendo injusto. E por que, então, a inventou? Porque quer ser melhor do que é, quer -como disse o poeta Höderlin- "ultrapassar o campo do possível". Inventou até Deus, que é a resposta à fatalidade da morte e às perguntas sem resposta. O homem inventou Deus para que este o criasse. Filho dileto de Deus, pode assim aspirar à ressurreição.

2.1.06

Fim de ano

2005

Casulo ano
Metamorfose ano
Ano
Repleto de ângulos,
Vieses novos
Ainda vaporizados
Vórtice ano
Realidade
Pelo estreito viés de poesia
Viesia
Difratada

Mortes plácidas e horrendas
Massacres
Amores
Vapores
Linda vó
Tia doce, bem doce
Odores
Motores
Cintilante desespero de cheiros
Morenos
Pavores
Pânico
Amores cipós no inferno da mente
Até um verdadeiro, penso
Imenso
Colhê-lo
Amá-lo
No embalo de ondas incessantes
De questão

Corrupto ano
Falcatruas
Cuecas peruas nuas
Santo ano
De papa novo!
Reciclando
“Preguiça de viver” ano

Assassino ano
Do herói que devia ser
Parto ano
Do humano que pode ser
Doloroso ano
Desafiando a solidão
Professor ano
Da grandeza do que é sobre o que poderia ser
Do que está para o que não é
Nem nunca será
Vitória do que é

Vitorioso ano
Suicida ano
Palestina ano
Londres
Bombas sondas
No inferno humano

Mapa ano
Dos tesouros nossos
Poucos
Humanos
Amor, prazer, dor
Frágil ano
Sou humano
Humano
Nunca mais ano
Sempre ano
Temperado ano
Diabo ano

De sorrisos desesperados
E débeis soluços
Mas verdadeiros
Amor ano
Ando
Erguendo a fronte
Ao desamparo humano

Tsunami ano
Katrina ano
Wilma ano
Peregrino ano
Mais um...
Ao equilíbrio engano

Magma ano
Viagem à Catarina
Paraitinga
A Bueno Brandão
À riqueza da capital
Ao limbo
Ao coração
A Bersabéia
Ao futuro em vão

Meses gordos
Mensalão ano
Tricolor ano
Tricampeão

Calvino ano
Ronaldinhos ano
Vó em descanso
Passar um pano
Buxando
Bush ano

Amor ano
Balanço
Gangorra
Decotado ano
Kamikaze ano
Tera ano
Miudezas
Paixão ano

Sutilezas
Películas de real
Pelicano
Insano
Socorro ano
Mundo ano
Mundano

Gincana de sentimentos
Inventário do mudo mundano
Irremediável
Riscado

Frisante ano
Frisos
Vieses novos de poesia
Bolhas nuas
Fecha ano 5
Abre o 6
Achado
Protegido
A um sereno ano
Recheado de vôos
Oceano


BIU
31-12-2005




Arruaça
Para a foto das páginas 60 e 61 do número 7, ano II, da resta “Porto Seguro Brasil”

Brilham pontos na escuridão
Espiralando
Bocados mais juntos
Rodando
Sopros mais antigos
Brincando
No sem-fim da imensidão

Disputam mais negros olhos
Branqueando
Dobraduras na tez da noite
Serpenteando
Vias-lácteas no açoite
Bagunçando
Quem arde mais a retina dos povos

Ondulam ao perfeito acaso
Arranhões
De negrura pelos vales
Molecando
De montanhas sob neves
Balburdiando
Ao trazer impressões do universo

Jorram bem ali no meio
Cuspidas
Nervuras de arruaça
Trepadas
Rindo a qualquer ameaça
Gargalhadas
Como quem brinca sem arreio

Então que no olhar da fronte
Matutado
Destoa textura aos véus dada
Inocentada:
Só a pele do moleque de Rosa
Nadando
Na vereda de São Romão, esbalda o Rio da Ponte

BIU
29-12-2005