3.11.07

Esforço despropositado...




A Forma Justa


Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre.
A terra onde estamos – se ninguém atraiçoasse – proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino.
– Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso.
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.


Sophia Mello Breyner Andresen


(em "O Nome das Coisas")

21.8.07

Pérolas

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(Anúncio do Espaço Cultural CPFL)
A Editora Verus e o Espaço Cultural CPFL convidam para o lançamento do livro A Pérola e a Ostra, da escritora e poeta Cássia Janeiro. O evento é precedido de debate, com presença do crítico literário Antonio Candido, que prefacia o livro, e do escritor e cronista Rubem Alves, que assina o texto de apresentação.
Foi num texto de Rubem Alves que Cássia Janeiro encontrou o aforismo que viria a inspirar seu livro: "Ostra feliz não faz pérola". Comenta ele: "A ostra, para fazer a pérola, tem de ser infeliz. É preciso que ela tenha, dentro de sua carne, algo que a corte, um grão de areia com arestas pontudas. Dói. A ostra faz a pérola para parar de sofrer. A Cássia leu a frase, reconheceu-se e a transformou num poema".

Experimentando com mesma intensidade o que chama "dor poética", fruto de uma existência que se torna premente expressar, e a dor patológica de alguém como ela, que sofre de transtorno bipolar e mononeuropatia múltipla, Cássia Janeiro encontra na produção poética uma forma de sublimar o sofrimento diário.

No mesmo texto de apresentação ao livro da poeta, segue Rubem Alves: "Quem só vê as presenças só vê a beleza redonda da pérola. Não vê a dor que a fez nascer. Acontece também com os poemas: a sua beleza não nos deixa ver que, além da poesia, existe a dor que a própria poesia não consegue dizer." E mais adiante: "Por que os poetas escrevem? Bernardo Soares diz que 'a arte é comunicar aos outros a nossa identidade íntima com eles'. Pois é para isto mesmo que escrevem os poetas – para a inefável experiência de saberem-se iguais a todo mundo. Poesia é uma solidão de onde brota a comunhão."

Nascida em São Paulo em 1964, filósofa de formação e especialista em antropologia social e cultural, Cássia Janeiro é doutoranda em literatura brasileira e autora de dois outros livros de poesia, Poemas de Janeiro (1999) e Tijolos de Veneza (2004), ambos também prefaciados por Candido.

Leia a seguir comentários do crítico literário sobre sua produção poética.

Poeta plenamente configurada

Fragmentos do prefácio de Antonio Candido

Na poesia sempre houve um elemento de manipulação e um elemento de vibração. Certos poetas tendem à manipulação técnica, enquanto outros se entregam à vibração emocional. Mais interessante é quando sabem misturar bem as duas coisas, a fim de conseguir um texto que exprima o seu ser e, ao mesmo tempo, seduza pela fatura.
(...)
Os poemas de Cássia Janeiro se equilibram bem entre a capacidade de compor e a capacidade de fazer sentir, porque a sua composição parece aderir ao fluxo da emoção, como se o verbo brotasse de uma fusão inextricável da vibração pessoal com o desejo de alcançar o outro por meio da linguagem ordenada.
(...)
Isso me atrai, porque prefiro poemas que, por assim dizer, me fazem companhia. Poemas aos quais posso recorrer quando preciso de compreensão e solidariedade. Graças à oferta comovedora que o poeta faz de si mesmo, eles ajudam a compreender melhor a mim, mas também o semelhante e o mundo.
(...)
A sua simplicidade depurada faz da composição poética uma filtragem, de tal modo que a sua densa emoção, a sua dolorosa experiência se torna patrimônio de muitos. Direta e penetrante, ela sabe ligar o pólo do eu ao pólo do outro e do mundo, porque, por mais forte que seja a sua mensagem carregada de paixão, freqüentemente de dor, há nela a forte vocação do diálogo, sem o qual o poeta não se configura. E quem escreve poemas como Cássia Janeiro é poeta plenamente configurado.
(...)


9.7.07

Oracao do Panico

I
Esta sensacao e passageira.
Nada de mal vai me acontecer.
Muitas pessoas tem os mesmos incomodos.
Isto nao pode evoluir para nada de fatal, muito menos loucura...
Quanto mais intensa, mais curta.
Sou uma pessoal normal que deve aceitar sua sensibilidade e encarar este sofrimento com humor.
'E algo passageiro a que quanto menos peso der, melhor, mais rapido vou retomar a vida.
Tenho uma vida inteira para construir... Agora estou mais fortalecido.
Tenho 'otimos amigos, uma familia maravilhosa, ideias construtoras e muito a oferecer ao mundo.
Comecemos agora.
Nao evitar pensamentos ruins, mas sim encara'-los e ridicuraliz'a-los.

II
Meus medos provem do conhecimento da possibilidade de se perder o controle: doencas, um pane nervoso, suicidio, homessexualismo, espeiritos maus, sanidade, nao saber se relacionar, errar frente ao outro, escolher...
Acho que comeco a entender isso tudo. Temo porque vivo estes descontroles.
Comeco a ignorar estes aspectos, aceitar minha sensibilidade, ver que ha ameacas quando me sinto indefeso, uma crianca.
O parto ja' ocorreu, passando por medos infantis e me fortalecendopara a vida e o conviver bem, com o outro, consigo mesmo, aceitando-se humano.

III
A dor foi aguda, mas acabou...
Ja' nasceu um novo ser humano, livre dos estigmas que lhe imputaram.
Chega de dor.
Este novo ser comeca a fazer novos vinculos com o mundo.
Nao deve esconder seu eu verdadeiro, e' altruista por natureza.
Quer o bem.
Em todos os momentos esta' se construindo como novo individuo.
O parto ja' ocorreu.
E' no simples e verdadeiro relacionar que estou me edificando...

26.6.07

Filme - "Eu, você e cada um que conhecemos"


Traduzido para "Eu, você e todos nós", o filme dirigido por uma das atrizes, Miranda July, me deixou surpreso... Há anos não assistia a um filme dos us tão sutil.
Mostra um mundo social que pode ser transpassado pelos verdadeiros sentimentos. Os personagens realmente fazem aquilo que querem fazer, têm profundidade e permitem envolvimento mesmo.
As sutilezas de nossos dias eclodem das trincas e se pode transcender o prosaico rumo ao essencialmente humano, os sentimentos...
Seja um amor virtual por uma criança, a disputa teen pelo melhor boquete, o desejo vergonhoso pelas adolescentes de saia, as expressões verdadeiras de uma artista, a criatividade numa conversa de um quarteirão, tudo é muito verdadeiro no filme.
Nem triste, ou repulsivo ou alegrinho. O sentimento humano ressoa e compõe um bela obra de arte. Efeitos ficariam banais diante de tanta beleza
Curti demais.

4.6.07

A poesia é um segredo dos deuses?

O seguinte artigo foi publicado na coluna de Antonio Cicero na Folha de São Paulo, sábado, 19 de maio e também em seu blog:
http://antoniocicero.blogspot.com/2007/05/poesia-um-segredo-dos-deuses.html

A poesia é um segredo dos deuses?

NUMA MESA-REDONDA de que participei recentemente, no encontro de escritores que tem lugar anualmente em Póvoa de Varzim, no norte de Portugal, o tema proposto para discussão foi: "A poesia é um segredo dos deuses".
A propósito desse assunto, lembro que João Cabral dividia os poetas entre aqueles que tinham a poesia espontaneamente, como presente dos deuses, e aqueles -entre os quais ele mesmo se situava- que a obtinham após uma elaboração demorada, como conquista humana.
Ora, o tema da nossa mesa havia sido proposto tanto para deixar à vontade os poetas do primeiro grupo, isto é, os que acreditam na inspiração, quanto para provocar os do segundo, isto é, os que não acreditam nela, de maneira que uns e outros se sentissem livres para expor as suas poéticas divergentes.
Quanto a mim, não sinto que caiba inteiramente em nenhum desses dois grupos. Certamente considero uma tolice pensar que a poesia seja pura inspiração, pura dádiva dos deuses; mas penso que há também um quê daquela violência que os gregos chamavam de "húbris", um quê de insolência e arrogância na tese de que ela seja o resultado plenamente consciente e calculado do trabalho.“Inspiração” é o nome que damos à contribuição indispensável do incalculável, do inconsciente, do acaso e mesmo do equívoco à elaboração do poema. Nenhum grande poeta -nem mesmo João Cabral- jamais pôde deixar de se fazer disponível e receptível à irrupção dessas gratas e imprevisíveis contribuições.
"A arte ama o acaso", diz Aristóteles, com razão, "e o acaso, a arte". E o acaso e a arte se encontram inextricavelmente entrelaçados na feitura do poema.
A tal ponto isso me parece verdade que não acho muita graça nas boutades segundo as quais a poesia seria 10% inspiração e 90% transpiração. Por quê? Porque elas sugerem a idéia comum e equivocada de que o poeta tem, em primeiro lugar, a inspiração, para depois ter o trabalho de desenvolvê-la e poli-la.
Ora, penso que é justamente durante o trabalho, na busca de alternativas ao imediato e fácil, ou na tentativa de solucionar problemas criados pelo desenvolvimento do próprio poema, que a inspiração é mais solicitada e bem-vinda; e, por sua vez, a incorporação do impremeditado ao poema exige sempre uma nova elaboração, de modo que jamais se pode saber ao certo quanto do resultado final se deve à inspiração ou ao trabalho.
O fato é que a mim são muito simpáticos os deuses que representam as fontes de inspiração dos poetas, como Apolo e as Musas. A estas, aliás, já dediquei, em gratidão, pelo menos um dos poemas que fiz. Entretanto, dado que também reconheço o papel indispensável do trabalho consciente na produção dos poemas, não acho correto dizer que a poesia seja um presente delas.
E, por duas razões, parece-me claro que a poesia não pode ser um segredo dos deuses.
A primeira é que a poesia é um fenômeno humano, demasiadamente humano. Longe de consistir numa atividade puramente racional, ela lida com o que é particular, finito, humano. Ela usa palavras particulares de línguas particulares, finitas, humanas. Ela lida com a morte, a paixão, a perda, a ilusão, a esperança, o medo, a imaginação, o cômico, o trágico etc., que são realidades particulares, finitas, humanas. E a própria beleza da poesia é encarnada, sensual, particular, finita, humana. Os deuses -imortais, olímpicos, abençoados, oniscientes- não entenderiam tais coisas ou as desprezariam, pois se encontram muito acima delas. Conhecendo a poesia, o ser humano conhece uma maravilha que nenhum deus é capaz de conhecer.
Ademais, a poesia não pode ser um segredo, nem dos deuses, nem dos homens, nem mesmo do ponto de vista lógico. Por quê? Porque um segredo é algo que, em princípio, poderia ser revelado. Por exemplo, a fórmula de uma bomba ou a receita de um doce podem ser segredos, porque podem, em princípio, ser revelados. Se alguém diz que sabe um segredo, mas que não seria capaz de revelá-lo de modo nenhum, essa pessoa está mentindo. Um segredo tem que ser conhecido ao menos por uma pessoa ou um deus. Ora, é possível fazer um bom poema, mas não é possível, nem em princípio, saber como deve ser um poema, para ser bom. Essa é, na verdade, uma das poucas certezas que um poeta pode ter: é absolutamente inconcebível que haja fórmulas, receitas ou segredos -divinos ou humanos- para a feitura de um bom poema. Logo, a poesia não é um segredo dos deuses.

Simples Esplendor


Só ia



9.
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de uma sabiá.

Quem acumula muita perde o condão de
adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

(Manoel de Barros – Livro sobre Nada - poema “Desejar Ser”)





Por quantos pés iria atrás de você?
Eeiiiihnn?!!!
Quantos?
Os kilometros desta estrada não poderiam contá-los...

Quantos pés gastaria em sua busca?
Distâncias ermas, longínquas...
Estão ao meu alcance
Se ao menos puder reconhecer,
Provar o desfrute de sua pureza...

Gastaria os pés...
Gastaria-os todos!

Tiraria o bigode,
Rasparia todos os pêlos pubianos;
Arrancaria-os no estardalhaço

Se pudesse sentir
O desmedo da realidade,
Apaziguado nesta carne
Que percorre os pés sem cessar.

Desemburraria sim,
Ao menos ao achar,
Quando puder desvelar
Esta mascara disforme
Que tampona o cotidiano!

Sim! Quantos pés forem necessários...


BIU
24-05-2007




13.5.07

Corpo-Alma

(http://www.artenauniversidade.ufpr.br/muvi/artistas/m/marcela_tiboni/marcela_tiboni.htm)


“... O silêncio total me deixou ainda mais apreensivo. Salas de espera nos obrigam a pensar que vamos morrer, e por mais edições antigas da revista Caras que tu folheie, não conseguirá abafar a consciência de que há uma parte do seu organismo se deteriorando, de que teu corpo é temperamental e pode simplesmente se rebelar contra ti, e de que agulhas e químicos e instrumentos de metal serão enfiados em locais desagradáveis causando dores e muito dinheiro será gasto pra que as coisas voltem temporariamente ao normal , pra tentar resgatar aquela ilusão de que o corpo é um veículo sob o nosso controle..."
(pág. 49)

“... No entanto ela me encarava sorrindo, com os mesmos olhos que eu encontrava antes nas manhãs, um olhar que nos conectava e expressava que éramos parte um do outro. É difícil imaginar sensação de maior conforto e serenidade do que esta, que surge da ilusão elaborada de que fazemos parte da vida de uma pessoa a ponto de estarmos verdadeiramente unidos, de tudo estar bem se o outro estiver por perto, se apenas nos for dada a chance de saciar os desejos e interesses um do outro, de tolerar um ao outro quando sacrifícios forem necessários e deixar que todo o resto se foda, se destrua e morra, porque não haverá problema. Aquele olhar dela era uma manifestação perfeita dessa ilusão confortadora. Durava pouco, apenas instantes, como qualquer êxtase, mas era eficaz....”
(pág. 81)

excertos de "Até o dia em que o cão morreu" (adaptado para o cinema em "Cão sem dono")
Daniel Galera

27.4.07

"to keep him from falling" a"o ídolo a ser despido"

Merit Prize: John Dranchak, Long Beach, California
John Dranchak—until recently, an aerospace engineer in Long Beach, California—took this image in Torres del Paine National Park in Patagonia, where he was traveling with friends.
Dranchak says the guide is holding onto his friend's belt to keep him from falling into the water. "I was afraid to go down there and stand in that crevasse," he says. "I walked up to the top of the ridge, and I thought, 'This is just gorgeous.' The colors of the image caught my eye."
(http://www.nationalgeographic.com/traveler/photos/photocontest0701/photocontest_gallery5.html)


Canção Serena

Ao tingir com cores imprevistas
Ilhas cercadas por olhares impassíveis
Enxerguei a dor que meu ser harmoniza
Em estranhas práticas suicidas

E ao navegar através das águas intumescidas
Um sinal áureo indicou o encontro
Da minha alma
Com o ídolo a ser despido

Assim...
Minha torrente de gozo despejou seu triunfo
Através do irreprimido corpo indevassável
Entupido há muito pelos fluídos racionais!

Oh! Corações alimentados por estes néctares duvidosos
(e omitidos assustadoramente pelos deuses)
Por quantas incontáveis eras glaciais
Irão ainda esquecer de si
E dos mundos abismais?

Se pudesse caminhar entre homens-ídolos
Cantaria serenamente a vida a ser vivida
Mas sou vapor entre indistintas sombras pictóricas
Que me recordam a cada instante não vivido
A melodia muda do gozo infinito
Du Garcia Gil

17.4.07

With only 2 fish e 3 Corpos ainda quentes

18th Annual Photo Contest Winners
2006 World In Focus Contest
Merit Prize: Kenny Chu, Los Angeles, California

Kenny Chu, a real estate broker, describes himself as "a very crazy amateur photographer."
Chu has traveled to China on several occasions, where he took this photograph of "pull net" fishing in the village of Da Cheng. To get this image, he woke up at 3 a.m. to travel to the beach.
"There were about 20 fishermen and women pulling the net from the ocean," he says. Chu adds that it took the fishermen more than an hour to pull the net back, but they ended up with only two fish.
(http://www.nationalgeographic.com/traveler/photos/photocontest0701/photocontest_gallery10.html)


Arrastão

De malhas finas, frágeis, magras
Os nós do ódio e da revolta se apresentam.
De tanta fome, injustiça, mentira
Tua alma de paixão se queixa, inflama.

O amor se esvai, a ternura deixa
Abandonado teu corpo à vaga humana.
Nada ouves, nada vês, violência salta,
Nada mais podes fazer, retornar não podes.

Demorô! Demoro!
Vamo branco! Cadê a grana?!
Quem for da polícia morre!
Brincos, relógios, canetas; tudo que por comida possa
Em cambio enviesado.

Tudo que por amor possa ser olhado,
Em teu corpo tosco, esguio e belo
Não mais-valia aos teus olhos
arrancada
Se ao trabalho já não tens direito
Se a dignidade dos teus expropriada.

Três corpos ainda quentes morrem
Do medo da morte que de dentro canta
A melodia que proíbe a vida
Nesta marola heróica e muda.

PPM/Banábuyé

16.4.07

Retomada




NoNada

Divino recanto singular
Pasma o olhar urbano

Em momentos de suspensão
Etérea, inacessível ao tempo.

Os peixes virginais dançam
O remanso de dinâmica inimitável.

Tudo tão próximo do imaculado,
Do sentir embasbacado.

Ressurgem sentimentos e emoções
A pulsar a alma
Em seu ritmo natural
Em seu reconhecimento
Do que é intrínseco e inalienável.

A ressonância alma-lugar é perigosa
Ao viciar o ser em sua essência,
No mero reconhecer-se belo.

Mas é tudo para quem a conhece...
O resto é fugaz a menos
Que permita o vislumbre interativo.

O problema é que tudo o dispõe:
Basta um livre ser,
Sem repartir pensar e sentir,
Brotando do tudo nonada em ser.

Parque Estadual Lagoa Azul/ Nobres – MT
Biu
04-02-2007


30.3.07

Sábias palavras

O benefício da dúvida
Ferreira Gullar - Ilustrada/Folha de SP - 19-02-2006

Difícil é lidar com donos da verdade. Não há dúvida de que todos nós nos apoiamos em algumas certezas e temos opinião formada sobre determinados assuntos; é inevitável e necessário. Se somos, como creio que somos, seres culturais, vivemos num mundo que construímos a partir de nossas experiências e conhecimentos. Há aqueles que não chegam a formular claramente para si o que conhecem e sabem, mas há outros que, pelo contrário, têm opiniões formadas sobre tudo ou quase tudo. Até aí nada de mais; o problema é quando o cara se convence de que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, portanto, incontestáveis. Se ele se defronta com outro imbuído da mesma certeza, arma-se um barraco.

De qualquer maneira, se se trata de um indivíduo qualquer que se julga dono da verdade, a coisa não vai além de algumas discussões acaloradas, que podem até chegar a ofensas pessoais. O problema se agrava quando o dono da verdade tem lábia, carisma e se considera salvador da pátria. Dependendo das circunstâncias, ele pode empolgar milhões de pessoas e se tornar, vamos dizer, um "führer".

As pessoas necessitam de verdades e, se surge alguém dizendo as verdades que elas querem ouvir, adotam-no como líder ou profeta e passam a pensar e agir conforme o que ele diga. Hitler foi um exemplo quase inacreditável de um líder carismático que levou uma nação inteira ao estado de hipnose e seus asseclas à prática de crimes estarrecedores.

A loucura torna-se lógica quando a verdade torna-se indiscutível. Foi o que ocorreu também durante a Inquisição: para salvar a alma do desgraçado, os sacerdotes exigiam que ele admitisse estar possuído pelo diabo; se não admitia, era torturado para confessar e, se confessava, era queimado na fogueira, pois só assim sua alma seria salva. Tudo muito lógico. E os inquisidores, donos da verdade, não duvidavam um só momento de que agiam conforme a vontade de Deus e faziam o bem ao torturar e matar.

Foi também em nome do bem -desta vez não do bem espiritual, mas do bem social- que os fanáticos seguidores de Pol Pot levaram à morte milhões de seus irmãos. Os comunistas do Khmer Vermelho haviam aprendido marxismo em Paris não sei com que professor que lhes ensinara o caminho para salvar o país: transferir a maior parte da população urbana para o campo. Detentores de tal verdade, ocuparam militarmente as cidades e obrigaram os moradores de determinados bairros a deixarem imediatamente suas casas e rumarem para o interior do país. Quem não obedeceu foi executado e os que obedeceram, ao chegarem ao campo, não tinham casa onde morar nem o que comer e, assim, morreram de inanição. Enquanto isso, Pol Pot e seus seguidores vibravam cheios de certeza revolucionária.

É inconcebível o que os homens podem fazer levados por uma convicção e, das convicções humanas, como se sabe, a mais poderosa é a fé em Deus, fale ele pela boca de Cristo, de Buda ou de Muhammad. Porque vivemos num mundo inventado por nós, vejo Deus como a mais extraordinária de nossas invenções. Sei, porém, que, para os que crêem na sua existência, ele foi quem criou a tudo e a todos, estando fora de discussão tanto a sua existência quanto a sua infinita bondade e sapiência.

A convicção na existência de Deus foi a base sobre a qual se construiu a comunidade humana desde seus primórdios, a inspiração dos sentimentos e valores sem os quais a civilização teria sido inviável. Em todas as religiões, Deus significa amor, justiça, fraternidade, igualdade e salvação. Não obstante, pode o amor a Deus, a fé na sua palavra, como já se viu, nos empurrar para a intolerância e para o ódio.

(...)

Mas não cansamos de nos espantar com a reação, às vezes sem limites, a que as pessoas são levadas por suas convicções. E isso me faz achar que um pouco de dúvida não faz mal a ninguém. Aos messias e seus seguidores, prefiro os homens tolerantes, para quem as verdades são provisórias, fruto mais do consenso que de certezas inquestionáveis.

26.3.07

Cari caturas


criação


No princípio foi a paz, tranqüilidade insana

que trazia os cântaros repletos

de orvalho. O primeiro dia

ofereceu os ventos, maresia

e outros derivados da distância.

Depois o estranho pássaro da fome

pode voar entre as cabeças esvaziadas

e no seu grito renasceu a esperança,

fazendo enlouquecer todo desejo.

Agora estamos sós em nosso corpos

separados por lâminas de espanto

e desejamos ter a dor

de encontros novos

para estabelecer nosso remoto sono.




canções no intervalo


1.

Na hora seguinte, o silêncio correu como um fluxo

entre teus braços e meus braços, e a carícia

partiu-se como um cristal.


Na hora seguinte, amor foi chuva na boca,

lenços aproximados para a tosse,

movimentos excessivamente curtos para atingir o mar.


Na hora seguinte, o ar foi morte e abandono

e a febre batia asas nos pulsos das crianças.


2.

E veio um navio de cânticos

e de mãos desguarnecidas

pedindo mel e perdão.


E veio um choro violento

assaltar nossos sentidos

voltados para o vazio.


E a noite foi negra e branca

inventando para nós

as flores da compreensão.



poemas de Rubens Rodrigues Torres Filho

contidos em Investigação do Olhar (1963)

(e na obra reunida Novolume, 1997)




12.3.07

Sofas

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Viver marcado


“Basta ser sincero
E desejar profundo...
Você será capaz de sacudir o mundo
Tente outra vez...”
Raul Seixas


A escultura desequilibra
E encena a torção do agora
Em rápidos lances de outrora

O gatilho mastiga a bala
E o que era alien
Respira um bafo familiar
Sem traços de pretensão

Tudo tão arisco ao sorriso
Sincero, tão ríspido e
Fugaz rumo ao bem-estar...

Bater e rolar
Na espuma do real,
Do viver como continuidade
Marcada no estofado vermelho,
Do viver marcado...

Felipe Modenese
20-02-2007

28.2.07

Onde é que há gente no mundo?

NELSON ASCHER

O Fim da Poesia?

É possível reverter essa queda e tornar a poesia novamente importante e popular?

A PARTIR de 1922, oficialmente, os poetas brasileiros deixaram de lado tanto os augustos mármores com ecos argênteos ou brônzeos do parnasianismo como os turíbulos, missais e castos aromas de incenso do simbolismo, e passaram a compor, pelo telefone, poemas sobre o trânsito, o semáforo e a eletricidade. Claro que nem tudo se reduzia a esse esquema simples.
Augusto dos Anjos já recorrera a um léxico de estudante de medicina ou de biólogo amador, à cultura de um leitor provinciano de almanaques que, vindos da capital federal, anunciavam novas descobertas e invenções, para orquestrar em seus sonetos uma sonoridade grotesca cujo fascínio hipnótico poucos negariam.
Enquanto isso, Manuel Bandeira, familiarizado com Heinrich Heine, criava suas canções pseudo-ingênuas ou, inspirado por Verlaine, transformava nosso carnaval tropical num espetáculo a um tempo melancolicamente decadente e elegante o bastante para evocar a corte dos Bourbons.
Independentemente, porém, de contra o quê se revoltava, a poesia moderna como ela começou a ser praticada aqui nos anos 20 caracterizou-se pelo abandono das formas fixas e pela adoção da linguagem coloquial. O que, pelo menos de início, ocorreu com as formas não foi diferente no seu caso do que sucedera com a pintura quando saiu dos limites do figurativismo e com a música atonal.
O curioso é que sua contrapartida, a incorporação de temas não "poéticos" e de uma fala oriunda do cotidiano, apontava numa direção oposta. Pois as formas fixas fornecem ao leitor um padrão consagrado, um ambiente seguro dentro do qual este se sente em contato com a poesia. Graças, em geral, a esse acordo de base, o poeta pode negociar com ele a alteração de outros elementos. Sem a certeza prévia que essas formas lhe dão, cabe a cada leitor se tornar um especialista que tenta desvendar se aquilo que lhe foi apresentado é de fato um poema ou não. Uma tarefa exigente e, enfim, para poucos.
Qual, no entanto, o vínculo de necessidade entre essa redução do círculo de leitores e a propensão a falar quase sempre nas cadências de uma pretensa "vox populi"?
Menos de complementaridade que de compensação: talvez os poetas de então pensassem que, buscando competir com o noticiário e as manchetes jornalísticas, recuperariam os leitores que perdiam com o que, embora o chamado de experimentalismo, era antes a quebra de um contrato secular. O coloquialismo em si já era, não uma conquista, mas uma concessão e, depois desta, outras viriam, todas insuficientes.
O fato é que os poetas da geração seguinte, os que estrearam nos anos 30/40, recuaram diante da possibilidade de alienar de vez o público restrito que a poesia ainda possuía e se lançaram na criação de obras complexas que não desistiam de antemão de nenhum instrumento potencialmente útil.
Não é à toa que Drummond escreveu sonetos, Vinicius compôs baladas e João Cabral raramente se afastou da quadra. Seja como for, nenhuma medida, nenhum recuo tático bastou para recolocar a poesia na posição de arte central à qual ela naturalmente aspira.
E, para provar involuntariamente essa constatação, os poetas dos anos 70 se autodenominavam "marginais" como se ainda houvesse algum que não o fosse. De quantas artes já tiveram um estatuto melhor e um público maior, nenhuma parece ter caído tanto quanto a poesia e isso, paradoxalmente, durante o século 20, quando surgiram não somente algumas das vozes mais memoráveis que o Ocidente produziu, mas também tradições anteriormente ignoradas se apresentaram, através da tradução, a um público que, pela primeira vez na história, prometia se tornar universal.
É possível reverter essa queda e tornar a poesia novamente importante e popular?
Por sorte, o futuro a deus pertence e as tendências que abriga não são facilmente desvendáveis. Muito depende do empenho dos próprios poetas, naturalmente, de sua capacidade de reconhecer que sua arte, se bem que nutra inúmeras outras, talvez esteja beirando a extinção. O papel do público, porém, não pode ser ignorado e tudo, no último século, aponta para consumidores cada vez mais preguiçosos, cada vez mais sequiosos de um prazer fácil, repetitivo e que não envolva maiores esforços. Como convencer um público sedado por uma satisfação pré-digerida de que há, sim, prazeres maiores, mas que desfrutá-los requer trabalho, empenho e suor?



Poema em linha reta
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

16.1.07

2007?!.... Que venha...


Já pra sempre!
Right now for ever!


Tal chuva estática Such static rain
Acomoda a passagem de ano Acommodates the passage of the year
Em goteiras e respingos In leaks and sparkling
A borrar o sangue coagulado no chão, Smearing clotted blood on the ground,
Os restos de facadas Remainings of knife wounds
E de trisques da travessia And trisques during the crossing
Irrecuperados
Unrecovered
Em suas cicatrizes. In scars.

O alarme terrestre soa The terrestrial alarm strikes
Certo temor estagnado Certain stagnant fear
No ventre do consumo irrefreável In the womb of uncontrolled consumption
Sem rupturas de paradigmas, Without ruptures of paradigms,
Sem um ataque frontal do medo Without a front attack of fear
Agora.
Now

Sim, assim e agora. Yes, like this and now.

Os filhos hão de conhecer Children will have to meet
A mãe usurpada
The usurped mother,
Estuprada na inconseqüência
Raped in the inconsequence
De pequenas ações volumadas
Of small bulky actions
Em catástrofe
In natural-social
Naturo-social.
Catastrophe.

Estas catástrofes entram no campo de visão
These catastrophes enter the vision field
Do espelho a refletir apenas umbigo –
Of the mirror reflecting only the navel -
Adentra voraz, com estardalhaço
They enter fiercely,clattering
De uma conspiração desfavorável. From an unfavourable conspiracy

Que venha 2007
Come 2007

Com o bojo túrgido
The womb swollen with
De incoerências, violações Incoherences, assaults
Traições impunes, Unpunished treasons,
Truculentas trilhas ao intimo, Harsh in trails
Aprendizados dolorosos e fugazes,
Painful and transitory learnings
Virulências, Virulences
Explosões de egos descabidos,
Explosions of showy egos,
De tempos fugidios (mais um entre tantos pleonasmos).
Of fugitive times (one more among so many pleonasms).


Com um pouco menos
With a little less
De descompasso entre ser e entender,
Of unbalance between to be and to understand,
Entre o corpo e a alma;
Between body and soul;
Um tanto menos de misérias, A little fewer miseries,
Inclusive as de caráter; Including the ones of character


Com um tanto bom With such an amount
Do espírito calejado dos oprimidos
Of calluous spirit of the opressed
Dos que fazem da vida
Of those who do of life
A arte de espremer o inviável
The art of squeezing the unviable

Com o bucho cheio
With the belly full
De atos nus de pretensão
Of nude acts of intention
De sabores reconquistados
Of reacquired flavors
De militância aos detalhes,
Of militancy to details
Da amizade incondicionável.
Of unconditionable friendship

Que venha com o bucho cheio
Come with the belly full
Do já pra sempre. Right now forever
Que venha! Just come




Felipe Modenese
01-01-2007

4.1.07

Verdade em si para 2007

"Ser feliz é desejar o que temos, ou o que é. Esperar é ter medo. Ser feliz é ser sereno."

"A sabedoria está mais do lado da vontade que da esperança, mais proximo da ação que da fé. O sábio é um homem de ação."

"Toda verdade é eterna. Mas não é uma eternidade após a morte. É a eternidade presente ou o presente eterno."

"O conteúdo da felicidade é alegria. Não há alegria maior que o amar. Amar é contentar-se com o que existe. A única felicidade está dentro da verdade."

trechos da entrevista de André Comte-Spunville à revista Época (1-01-2007 pág.30)