16.6.20

Resiliens

por Felipe Modenese

I
Temos as estrelas como forjas!
Seus núcleos absurdos fazem nossa matéria!
Que melhor tempo que o agora 
Para lembrar nosso bilhões de anos moleculares
Presentes em cada passo inacreditável?
Vivemos o absurdo, sim. 
Não poderia ser diferente: somos o absurdo de seres 
Contemplando a magnitude impossível do universo. 




II
Temos as formações planetárias como forjas!
Vulcões, terremotos e a alquimia destrutiva 
Permeiam nossas entranhas celulares.
Deslizes massivos, corrosão e a aleatoriedade 
Da sutileza fazem nossa integridade.
Que melhor tempo que o agora?
Somos os cataclismos realizados,
Ecoando e pulsantes nos nossos sofás. 
Encorpados nos dedos frenéticos aos celulares, 
Estão tantos colapsos colossais e rupturas hediondas 
Da composição de nossa Terra.

Despertemos!
Da hipocrisia,
Da inconsciência de nossa resiliência
Frente à matriz de destruição e criação 
Da realidade que nos faz. 




III
Temos predadores, fobias e coragem como forjas!
A sabedoria e a destreza, 
Perante os crivos dos massacres, vivem em nós. 
Somos, sim, lapidados por fendas na evolução biológica, 
Pelas lâminas de desafios sobre e interpostas. 
Que melhor tempo que o agora
Para lembrar que realizamos, em corpo e espírito, 
A mortalidade das presas do T.rex
E o mágico voo estático dos beja-flores?
Encarnamos a herança da hibernação
E a hecatombe das metamorfoses. 
Em nosso alforge hereditário 
Descansa uma resiliência samurai, 
Esculpida pelas eras de um tempo 
Inagarravel pela razão torpe. 




IV
Temos a selva e o fogo como forjas!
Dispomos da penetrância da lança,
Da genialidade da alavanca.
Conosco é a maleabilidade dos metais 
E a mortalidade das armas.
Que melhor tempo que o agora
Para viver a realidade dos traumas 
Em perfusão na civilização?
Massacres, escravidão, Auschwitz, Jesus
E toda a pirofagia existencial da cultura nos sustentam 
Atravessando as digitais nos volantes dos carros.
Estes são acordes da sinfonia histórica 
E os passos de nossa dança inimaginável.

Já são 3 meses de ameaças virais, 
Pandemia e isolamento social.
Como fica a dimensão desse tempo 
Perante a resiliência colossal 
Da realidade existente em cada um de nós?

Os números (e a estupidez do governo) assombram sim!
As mortes de coronavírus são mais de 40 mil, 
Deixando marcas e lapsos sem velórios. 
Ficamos recolhidos e destroçados, mais um vez:
Um golpe seco e duro para a forja e o despertar 
De nossa resiliência inacreditável. 


3.2.20

Horas são

Horas são 

No corpo do pai,
bem longe do filho,
sente espírito tanto
os tapas na cara da alma.

A peleja humana vigora
o planeta azul;
detona o verde
(des)fazendo a sombra de sua natureza.

Vamos sem sentido, ao descalabro:
só; vamos.

Com que arrogância prosperamos
no desterro
da ascendência
de nosso chão? 

Com que fundura 
pais desconhecem
a prontidão da neurobiologia interpessoal dos filhos?
Enterram buracos 
a ecoar por gerações?

O vazio é vasos, 
desabrochando exóticas orquídeas,
ora louco,
ora são.

Do ventre da (H)era digital,
pululam pop ups:
pólen-dúvidas,
clamor de sabedoria,
brados de austeridade 
em súplicas de presença.  

Onde se hiberna a compaixão?
Por onde vaga a alegria livre de consumo?
Em que oração emerge o altruísmo nutritivo?

Na matéria do espírito, 
repetimos os exames,
o sacramento do nada 
em busca de forma 
e qualquer a-b-sol-vi-ção
do espírito da matéria. 

Nestas horas, são,
ridicularizo o que sou,
encarno o que é, 
cravando linguagem 
na cruz deste momento. 

No corpo do pai,
bem longe do filho,
o espírito sente tanto
tapas firmes na cara 
para despertar amor puro 
em pleno desastre
dessa(s) horas são. 
Árvore centenária derrubada "naturalmente" na fazenda Nova Era (Botucatu-SP, foto 14/07/2019)