26.4.05

Pela estreita fresta da poesia

Fresta
Fernando Pessoa

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado
Revivo, existo, conheço,

E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.

25.4.05

Uma longa canção

Life Is A Long Song
(Jethro Tull)

When you're falling awake
and you take stock of the new day,
And you hear your voice croak
as you choke on what you need to say,
Well, don't you fret, don't you fear,
I will give you good cheer.

Life's a long song.
Life's a long song.
Life's a long song.

If you wait then your plate I will fill.
As the verses unfold and your soul suffers the long day,
And the twelve o'clock gloom spins the room,
You struggle on your way.
Well, don't you sigh, don't you cry,
Lick the dust from your eye.

Life's a long song.
Life's a long song.
Life's a long song.

We will meet in the sweet light of dawn.

As the Baker Street train spills your pain all over your new dress,
And the symphony sounds underground put you under duress,
Well don't you squeal as the heel grinds you under the wheel.

Life's a long song.
Life's a long song.
Life's a long song.

But the tune ends too soon for us all.

20.4.05

Dica de Beto

SE

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,de sonhar -
sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única partida,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!

Rudyard Kipling
Tradução de Guilherme de Almeida

19.4.05

Paraíso em foco

Domenico di Masi em “Criatividade” diz:

“A arte e a religião foram, portanto, as duas grandes criações consoladoras esboçadas durante milênios da Pré-história e aprimorada durante séculos da História. Mas, se a arte pode oferecer somente algumas alegrias compensadoras para as dores existenciais, a fé num mundo depois da morte, além de exorcizar a duração demasiadamente breve da vida terrena, pode até descortinar a esperança de uma felicidade eterna, simétrica às atribulações padecidas na vida e perfeitamente de acordo com as aspirações humanas”

“Não há sorte incerta, rara, fugaz sobre esta terra que não se torne segura, plena e perene nas descrições paradisíacas”

“As figurações do paraíso, portanto, e a inexaurível criatividade que as colocariam constituem outras fontes copiosas de informação sobre como o homem teria desejado viver sobre a terra e sobre o que ele entendia por felicidade. Naquilo que nos diz respeito de forma específica, elas nos oferecem testemunhos indiretos originais para reconstruir não só as formas de criatividade que o homem produziu, mas também a relação ambígua de ódio e amor que ele manteve seja com o trabalho, seja como o ócio”

8.4.05

Fenda na poesia

Abdução Anfíbia

Um rasgo no prosaico
Suspende o coaxar
Entre um e outro inseto
E engole um pulo másculo
Rumo ao incerto porém irresistível

O trato repentino da arte desconfortável
Transforma o corpo lânguido
Em sustentáculo do desejo
Vetor da física à doença do sentimento
Prostra-se o sapo
Refém da memória do belo
“Numa transversal do tempo”

O temido desconhecido
Por hora abafa o entusiasmo,
Amortece os estímulos
Até que o pensar novo
Revela-se benéfico
Num revelar-se construído sobre ruínas,
Coletado do sumo que escorre
Da condensação escultora do vapor do momento
Sobre a superfície gélida das trilhas do eu


Aperfeiçoadas esculturas
Afeiçoam o anfíbio
Saliente no sutil torcer de cabeça
Frente o infinito belo
Debaixo do rasgo transversal do tempo

Cuooooxe.............Cuuuoooooooooooooxxxxeee


BIU
07/04/2005

6.4.05

Shakespeare e Rilke

CXLI.
William Shakespeare

In faith, I do not love thee with mine eyes,
For they in thee a thousand errors note;
But 'tis my heart that loves what they despise,
Who in despite of view is pleased to dote;
Nor are mine ears with thy tongue's tune delighted,
Nor tender feeling, to base touches prone,
Nor taste, nor smell, desire to be invited
To any sensual feast with thee alone:
But my five wits nor my five senses can
Dissuade one foolish heart from serving thee,
Who leaves unsway'd the likeness of a man,
Thy proud hearts slave and vassal wretch to be:
Only my plague thus far I count my gain,
That she that makes me sin awards me pain.


Ich fürchte mich so vor der Menschen Wort
Rainer Maria Rilke

Ich fürchte mich so vor der Menschen Wort.
Sie sprechen alles so deutlich aus:
Und dieses heißt Hund und jenes heißt Haus,
und hier ist Beginn und das Ende ist dort.

Mich bangt auch ihr Sinn, ihr Spiel mit dem Spott,
sie wissen alles, was wird und war;
kein Berg ist ihnen mehr wunderbar;
ihr Garten und Gut grenzt grade an Gott.
Ich will immer warnen und wehren: Bleibt fern.
Die Dinge singen hör ich so gern.
Ihr rührt sie an: sie sind starr und stumm.
Ihr bringt mir alle die Dinge um


Tradução de Carlos Bechtinger
Eu me assusto tanto diante da palavra dos homens

Eu temo tanto a palavra dos homens
Eles explicam tudo tão claramente
E isso se chama cachorro e aquilo se chama casa,
E aqui é o começo e o fim é lá.

Me assusta também a reflexão de vocês,
o jogo de vocês com escárnio
Vocês sabem de tudo, o que foi e o que virá.
Nenhuma montanha é mais maravilhosa para vocês
Os seus jardins e o bem de vocês se limitam em Deus
Eu quero sempre avisar e combater: Fique longe disso!
Eu escuto com tanto prazer as coisas cantadas
Vocês não a tocam. Elas são mudas e teimosas.
Vocês todos para mim matam as coisas.

5.4.05

Poetizas em amostra

Meu Deus, me dê a coragem
Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braçoso meu pecado de pensar.


Todas as vidas
Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Global Editora, 1983 - S.Paulo, Brasil


O amor no éter
Adélia Prado

Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados
na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:
como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

Poesia reunida, Editora Siciliano, 1991 - S.Paulo, Brasil

PS: um site que reune uma boa amostra de poetizas brasileiras e traduzidas é "Mulheres que amo" :http://utopia.com.br/poesia/