19.7.05

Nada a declarar...

A Máquina do Mundo
Carlos Drummond de Andrade

E como eu palmilhasse vagamente

uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos

que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se a majestosa e circunspecta,

sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende

a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando

quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter suado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,

se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,

a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma

ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuras em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,

mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza

sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,

esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo".

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,

os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre

ou se prolonga até nos animaise
chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,

dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene

sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relancee
me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima - esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas

presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,

e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;

como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara

sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,

enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

Plágio internauta

A Terra parou!?
Ou a web caiu...

15.7.05

Porque o jogo começa 0x0 e não pode terminar negativo...

Te Amo

Te amo
Te amo de uma maneira inexplicável.
De uma forma inconfessável.
De um modo contraditório.
Te amo
com meus estados de ânimo
que são muitos, e mudam de humor continuamente.
Pelo que já sabe,
O Tempo.
A Vida.
A Morte.
Te amo
Com o mundo que não entendo.
Com as pessoas que não compreendo.
Com a ambivalência de minha alma.
Com a incoerência de meus atos,
Com a fatalidade do destino.
Com a conspiração do desejo.
Com a ambiguidade dos fatos.
Ainda quando te digo que não te amo, te amo.
Até quando te engano, não te engano.
No fundo, levo a cabo um plano,
para amar-te... melhor.
Pois, ainda que não creias,
minha pele sente falta enormemente da ausência de tua pele.
Te amo.
Sem refletir,
inconscientemente,
irresponsavelmente,
espontaneamente,
involuntariamente,
por instinto,
por impulso,
irracionalmente.
Com efeito nao tenho, argumentos lógicos,
nem sequer improvisados
para fundamentar este amor
que sinto por ti,
que surgiu misteriosamente do nada,
que não tem resolvido magicamente nada,
e que milagrosamente, de pouco, com pouco ou nada tem melhorado o pior de mim.
Te amo.
Te amo com um corpo que não pensa,
com um coração que não raciocina,
com uma cabeça que não coordena.
Te amo
incompreensivelmente.
Sem perguntar-me, porque te amo.
Sem importar-me porque te amo.
Sem questionar-me porque te amo.
Te amo
simplesmente porque te amo.
Eu mesmo não sei porque te amo

PABLO NERUDA

Um dia disseram...

Vc dialoga com o olhar.
E de repente, intercalando silêncio com sorriso, muito é dito.
E num outro instante, está imerso
E se entregar à vida, fechar os olhos
No momento certo buscar o mínimo significado da existência
Dentro do que pode ser denso o suficiente para consumir
Para embriagar de si mesmo.
E que feche os olhos pra tirar de cada instante
o que pode se tornar sublime ao coração.

8.7.05

Dias de hoje


Weary with toil, I haste me to my bed,
The dear repose for limbs with travel tired;
But then begins a journey in my head,
To work my mind, when body's work's expired:
For then my thoughts, from far where I abide,
Intend a zealous pilgrimage to thee,
And keep my drooping eyelids open wide,
Looking on darkness which the blind do see
Save that my soul's imaginary sight
Presents thy shadow to my sightless view,
Which, like a jewel hung in ghastly night,
Makes black night beauteous and her old face new.
Lo! thus, by day my limbs, by night my mind,
For thee and for myself no quiet find.

Shakespeare


Luto do Luto

Lutar o luto.
O nascimento do luto do luto
Luta contra o embrulhado em preto
Vindo do fraldário,
Insígnia do eterno luto.

Impedido de ser feliz por estar sempre
A encobertar o luto,
Designado a absorver e ser solidário ao luto
Encobri-lo

Ser luto e repará-lo sendo o morto que vive

O luto da honestidade,
Da sinceridade,
Da decência,
Da fraternidade,
Do companheirismo...

Assopra o luto

Supera a espera de ver o vento soprar
A nevoa do horizonte longínquo.
Espera e supera a esfera do chorar
Vociferado em vento inócuo.

O sopro rebenta o peito
E rasga a tristeza do momento
Em cacos para um vitral
Mais um frente as sutilezas do real.

Destino crucificado
Desde a raiz
Cruza a matiz
Lambuzada de inconformismo.

Fa(r)dados a lamentar
O infortúnio que enforca
A vida curiosa e palpitante
Imersa em significados.

É a vez do luto do luto.

Novos paradigmas e signos,
Pois ainda somos homens exímios
E na busca do significado absoluto
Fitemos e sejamos

O desejo do Puro Tocar no Tempo

BIU
06/07/2005



Cânticos

...
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acaba todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.


Cecilia Meireles


Eu

Foi eu , na primeira vista causa e espanto,
Juro, não ter culpa, na segunda, o susto se apazigua e vem,
as pessoas a cuspir porque assim é mais fácil,
conforme a cartilha específica das coisas...

Recuar e regredir em mãos dadas é o exímio amor
que sem o efetivo catarro do fato se torna vazio...
Evacuar a área como resíduos
deixar para trás história e vida
e o cometa infalível a se chocar com outros muros, outros horizontes.


Zé Ortega
07/07/2005

2.7.05

Saboreando o Momento

"O TEMPERO DA VIDA"

À BIBA

RESSUSCITAR
RE-SUSCITAR
PITADAS SUSCITAM A VIDA DAS CINZAS
DE CINZAS DA VIDA À VIDA DAS CINZAS...

O QUE HÁ DE VIDA NAS CINZAS
VEM DOS DEDOS FRICCIONADOS
E DO FAMILIAR CALOR QUE DAÍ PINGA
COMO O DO FOGO DIVINIZADO
POR LEVAR DA MORTE AO TEMPERO DA VIDA.

PITADAS DE VENTOS SOLARES DESPEJAM
A POEIRA CÔSMICA, CINZAS DE ESTRELA
FECUNDANDO A FÉRTIL TERRA,
ENQUANTO FÓTONS DO REI SOL BRADAM
À CULINÁRIA LOCAL
"DAS CINZAS À VIDA".

E NAQUELA LINGUADA INFANTIL,
OS SABORES DA VIDA VINCAM AS BOCHECHA
SEM CURVATURAS POR QUE ESCORREM
OS SEGREDOS DA VIDA REPLETA, SEM BRECHAS.

RISO E LÁGRIMAS SE CRUZAM E SEGUEM
TROCADOS NA INFLEXÃO FACIAL...

TEMPEROS

VIVER EM BEM-QUERER,
EM TEMPERAMENTO TEMPERADO
PELAS TROCAS SALPICADAS DE TOQUES
INVISÍVEIS COMO O SAL DOS QUITUTES,
O SONHO NO REAL MERGULHADO
E A POEIRA QUE JAZ NO VIVER.

CULINÁRIA É DE PÓ E MORTE.
EM MEDIDAS SUTIS É
DA VIDA A ARTE,
UM BEIJO NO OLHO:
NÃO MOSTRA MAS AQUECE O CORPO,
SUSCITA O PURO AMAR,
UM CAMINHO QUE ESCOLHO...

BIU
25/06/2005

Dica de Ana

Este livro...

Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo...e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes...Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas...Dores...Ansiedades!
Livro de Sombras...Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo...(trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de Mágoas cheio!...

Florbela Espanca