23.1.06

Cidade Vísivel

Farinha ao Menos

Sentado numa cadeira metálica do bar da Lila, de esquina, sem consumir nada, de favor, em frente à praça, Ioiô relata os episódios do dia, enquanto cobiça os bancos da praça central:

Depois de 20 km serpenteando pelos mares mineiro-capixaba-cariocas, Iaiá e Ioiô andaram mais 3 km por estrada de asfalto até Farinha ao Menos, durante os quais placas devidamente espaçadas retomavam um a um, os dez mandamentos. Por descuido de conversa, Ioiô perdera o da cobiça. . .
Chegaram.
Foram conhecer a cidade e suas janelas de olhar vagaroso, a praça central (central mesmo), com posto com uma bomba ancestral, o armazém de produtos animais, a chuva torrencial, o coreto necessário, as sedes de igrejas, o armazém local, que fornece o município há “muito tempo, ahhh! Muito tempo mesmo”, as eiras e beiras das casas, a catedral. Mas pararam de andar. O caminho tinha-lhes sido interrompido: nunca viram tanto entulho acumulado.
A cidade está com um sério problema: o tempo passa muito devagar para conseguirem dar conta de recolher tanta conversa que é jogada fora.
Nem o gari, de laranja fosforescente, consegue dar conta de tanto chamado. Os farinha-ao-menses telefonam e o homem sai correndo, de bicicleta, em busca de bitucas nos meio-fios (que vão, devagar, mas vão). O primeiro disk-gari do país.

De queixos segurados (e seguros, também), os homens conversam devagar, de janela a janela, se o tempo vai “firmá” ou se vai “chovê”. É quando decidem deixar e ver o tempo passar jogando conversa fora.
Iaiá e ioiô ficaram de queixos caídos. Como os cidadãos lidarão com tamanha quantidade. Talvez por isso o tempo ia devagar: tem que decompor, no seu caminho, tanta conversa fiada (bem fiada mesmo. . .) da gente que troca um dedinho de prosa enquanto segura o queixo embasbacado com o tempo demorado.
Dedinho em dedinho, as pessoas não sabiam quais eram seus mais. Trocavam tanto que perdiam os seus próprios e confundiam com os de outros. Mas nada de mais. Nem de menos. As pessoas parecem não saber nem quem são. É tanto troca-troca sobre a vida não sua que não sabem mais reconhecer a própria sua. Soam através das bocas de bocas de outras pessoas e acabam anulando a identidade que nunca foram.

Ioiô, às 22, foi-se embora pois lhe chegou um medo de não conseguir voltar sozinho, sem ajuda, ao local de acomodação.
O tempo passou, embora se vê que não passa.
Êta vida boa meu deus!!! Talvez um pôco besta vai. . .
BIU
09-01-2006

Cidade pequena

Na praça de Farinha ao Menos,
Destroços de lemos e remos
Arpejam a jangada chegada
Toda esburacada de pedra dourada

A cidade faria, lemos
No parquinho da central ,
Destroçado,
Bons cidadãos se, ao menos,

Pendurasse cadeiras na corrente do balanço
(Cujos elos remanescentes oscilam em fase,
Assim como os cidadãos, em fase...
De jogar conversa fora
De segurar, sem questionar,
O queixo caído
De tanta emoção),

Prendesse tábuas de assento
No sobe-desce da gangorra
(Que nem sobe nem desce:
Permanece...
Inclinada como uma ponta enferrujada
Ao ar
E outra enterrada no liso da areia,
Aplainada pela chuva,
Sem ser brincada,
Enfiada na areia, inerte ao tempo,
Que, aliás, teima em não passar
No lugarejo enterrado na serra,
Num Sossego tremendo,
Sem pressa de mudar),

Colocasse o disco no eixo do gira-gira
E girasse, apenas girasse...
(Como o que sabe não poder decolar,
Mas interessa-se em conhecer
As redondezas do lugar de brincar
E brincar
No mundo tão pequeno
Panorâmico
Sujando-se da beleza do local
Girando
Humilde, mas consciente
De fazer parte de um projeto maior
E deixar a conformidade ignorante)

E acertasse o movimento basculante
Do brinquedo sem nome
(Assim como esta gente praça,
morando na paz de graça.
Gente evoluída que só:
Conversa e deixa o tempo passá,
Sem muita questão pra colocá,
Além de questioná se o tempo vai virá,
E se não tem mais o que fazê pra mó
De fazê a gente daqui dorá mais um tiquinho).

BIU
10-01-2006