26.6.07

Filme - "Eu, você e cada um que conhecemos"


Traduzido para "Eu, você e todos nós", o filme dirigido por uma das atrizes, Miranda July, me deixou surpreso... Há anos não assistia a um filme dos us tão sutil.
Mostra um mundo social que pode ser transpassado pelos verdadeiros sentimentos. Os personagens realmente fazem aquilo que querem fazer, têm profundidade e permitem envolvimento mesmo.
As sutilezas de nossos dias eclodem das trincas e se pode transcender o prosaico rumo ao essencialmente humano, os sentimentos...
Seja um amor virtual por uma criança, a disputa teen pelo melhor boquete, o desejo vergonhoso pelas adolescentes de saia, as expressões verdadeiras de uma artista, a criatividade numa conversa de um quarteirão, tudo é muito verdadeiro no filme.
Nem triste, ou repulsivo ou alegrinho. O sentimento humano ressoa e compõe um bela obra de arte. Efeitos ficariam banais diante de tanta beleza
Curti demais.

4.6.07

A poesia é um segredo dos deuses?

O seguinte artigo foi publicado na coluna de Antonio Cicero na Folha de São Paulo, sábado, 19 de maio e também em seu blog:
http://antoniocicero.blogspot.com/2007/05/poesia-um-segredo-dos-deuses.html

A poesia é um segredo dos deuses?

NUMA MESA-REDONDA de que participei recentemente, no encontro de escritores que tem lugar anualmente em Póvoa de Varzim, no norte de Portugal, o tema proposto para discussão foi: "A poesia é um segredo dos deuses".
A propósito desse assunto, lembro que João Cabral dividia os poetas entre aqueles que tinham a poesia espontaneamente, como presente dos deuses, e aqueles -entre os quais ele mesmo se situava- que a obtinham após uma elaboração demorada, como conquista humana.
Ora, o tema da nossa mesa havia sido proposto tanto para deixar à vontade os poetas do primeiro grupo, isto é, os que acreditam na inspiração, quanto para provocar os do segundo, isto é, os que não acreditam nela, de maneira que uns e outros se sentissem livres para expor as suas poéticas divergentes.
Quanto a mim, não sinto que caiba inteiramente em nenhum desses dois grupos. Certamente considero uma tolice pensar que a poesia seja pura inspiração, pura dádiva dos deuses; mas penso que há também um quê daquela violência que os gregos chamavam de "húbris", um quê de insolência e arrogância na tese de que ela seja o resultado plenamente consciente e calculado do trabalho.“Inspiração” é o nome que damos à contribuição indispensável do incalculável, do inconsciente, do acaso e mesmo do equívoco à elaboração do poema. Nenhum grande poeta -nem mesmo João Cabral- jamais pôde deixar de se fazer disponível e receptível à irrupção dessas gratas e imprevisíveis contribuições.
"A arte ama o acaso", diz Aristóteles, com razão, "e o acaso, a arte". E o acaso e a arte se encontram inextricavelmente entrelaçados na feitura do poema.
A tal ponto isso me parece verdade que não acho muita graça nas boutades segundo as quais a poesia seria 10% inspiração e 90% transpiração. Por quê? Porque elas sugerem a idéia comum e equivocada de que o poeta tem, em primeiro lugar, a inspiração, para depois ter o trabalho de desenvolvê-la e poli-la.
Ora, penso que é justamente durante o trabalho, na busca de alternativas ao imediato e fácil, ou na tentativa de solucionar problemas criados pelo desenvolvimento do próprio poema, que a inspiração é mais solicitada e bem-vinda; e, por sua vez, a incorporação do impremeditado ao poema exige sempre uma nova elaboração, de modo que jamais se pode saber ao certo quanto do resultado final se deve à inspiração ou ao trabalho.
O fato é que a mim são muito simpáticos os deuses que representam as fontes de inspiração dos poetas, como Apolo e as Musas. A estas, aliás, já dediquei, em gratidão, pelo menos um dos poemas que fiz. Entretanto, dado que também reconheço o papel indispensável do trabalho consciente na produção dos poemas, não acho correto dizer que a poesia seja um presente delas.
E, por duas razões, parece-me claro que a poesia não pode ser um segredo dos deuses.
A primeira é que a poesia é um fenômeno humano, demasiadamente humano. Longe de consistir numa atividade puramente racional, ela lida com o que é particular, finito, humano. Ela usa palavras particulares de línguas particulares, finitas, humanas. Ela lida com a morte, a paixão, a perda, a ilusão, a esperança, o medo, a imaginação, o cômico, o trágico etc., que são realidades particulares, finitas, humanas. E a própria beleza da poesia é encarnada, sensual, particular, finita, humana. Os deuses -imortais, olímpicos, abençoados, oniscientes- não entenderiam tais coisas ou as desprezariam, pois se encontram muito acima delas. Conhecendo a poesia, o ser humano conhece uma maravilha que nenhum deus é capaz de conhecer.
Ademais, a poesia não pode ser um segredo, nem dos deuses, nem dos homens, nem mesmo do ponto de vista lógico. Por quê? Porque um segredo é algo que, em princípio, poderia ser revelado. Por exemplo, a fórmula de uma bomba ou a receita de um doce podem ser segredos, porque podem, em princípio, ser revelados. Se alguém diz que sabe um segredo, mas que não seria capaz de revelá-lo de modo nenhum, essa pessoa está mentindo. Um segredo tem que ser conhecido ao menos por uma pessoa ou um deus. Ora, é possível fazer um bom poema, mas não é possível, nem em princípio, saber como deve ser um poema, para ser bom. Essa é, na verdade, uma das poucas certezas que um poeta pode ter: é absolutamente inconcebível que haja fórmulas, receitas ou segredos -divinos ou humanos- para a feitura de um bom poema. Logo, a poesia não é um segredo dos deuses.

Simples Esplendor


Só ia



9.
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de uma sabiá.

Quem acumula muita perde o condão de
adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

(Manoel de Barros – Livro sobre Nada - poema “Desejar Ser”)





Por quantos pés iria atrás de você?
Eeiiiihnn?!!!
Quantos?
Os kilometros desta estrada não poderiam contá-los...

Quantos pés gastaria em sua busca?
Distâncias ermas, longínquas...
Estão ao meu alcance
Se ao menos puder reconhecer,
Provar o desfrute de sua pureza...

Gastaria os pés...
Gastaria-os todos!

Tiraria o bigode,
Rasparia todos os pêlos pubianos;
Arrancaria-os no estardalhaço

Se pudesse sentir
O desmedo da realidade,
Apaziguado nesta carne
Que percorre os pés sem cessar.

Desemburraria sim,
Ao menos ao achar,
Quando puder desvelar
Esta mascara disforme
Que tampona o cotidiano!

Sim! Quantos pés forem necessários...


BIU
24-05-2007