16.3.21

OLVIDOS OUVIDOS



 

  Olvidos ouvidos 

      Ouvindo os pássaros sendo seus sons, pode-se refletir sobre essas orelhas brotando no sopé de uma figueira centenária, na praça São José, de Botucatu, meados de março de 2021.

    Brotam da terra enraizada ouvidos para lembrar nossos olvidos. É mistério em folhas discretas no primeiro aniversário da pandemia COVID-19.

    Elas desfolham o mistério que deixamos de celebrar: que força é essa a mobilizar o cosmos para a apreciação do cosmos? Para onde esquecemos em ir, onde não podemos sequer admirar, dispensando a soberba, o estupendo que  já somos?

    E o que escutam tais ouvidos da terra de uma cidade média brasileira, no novo auge da contaminação e mortes pelo vírus?

    Talvez que olvidamos de cuidar de nossos ouvidos, de nossa ignorância torpe e transmitida pelos veios de nossa árvore genealógica? Que estamos vacilando de tratar nossas feridas e propagamos o fio de sofrimento em julgamentos impróprios a prosperar a devassa humana?

    Tais orelhas cochicham para admirarmos e validarmos os tantos erros cometidos? Vociferam em silêncio germinativo para expandirmos nossa consciência de que brotamos de tudo que há e somos na conexão com tudo? 

    Ou re-lembramos (sati = mindfulness)  e reorientamos ou perecemos.

    Seremos, assim, surdos ou videntes.

    Mas como pausar essa civilização e sua parafernália de próteses de satisfação fugaz? Como pausar e podermos contemplar o que já é?

   Orelhas olvidadas vicejam e olvidos ouvidos prosperem, quem sabe. 

                       por Felipe Modenese

                            16-03-2021