22.5.06

CAMINHO DA LUZ

“A tela deve ser fecunda. Deve criar um universo onde, pouco importa, divisarmos neles flores, personagens, cavalos, contanto que revele ao mundo algo vivo.”
Joan Miró

“É a esse vivo que parece aspirar à pintura de Miró. Isto é, a algo elaborado nessa dolorosa atitude de luta contra o hábito e a algo que vá, por sua vez, romper no espectador, a dura crosta de sua sensibilidade acostumada, para atingi-la nessa região onde se refugia o melhor de si mesma: sua capacidade de saborear o inédito, o não aprendido.”
João Cabral de Melo Neto - amigo de Miró


Iaiá, Gló, Ioiô, Nana e Newsom vestem de palmas de mãos as pálpebras fechadas e caminham no desfiladeiro entre a palavra e o que de fato ocorre.
Por sorte, os ônibus não passam ali por perto e podem deixar o comodismo engavetado, a força do hábito exilada e vestir não-gravatas ao passeio borboletesco do dia. Desfilam no desfiladeiro sem achismos.

III


Pedra Dourada – Faria Lemos

Cidade pequena

Na praça de Farinha ao Menos,
Destroços de lemos e remos
Arpejam a jangada chegada
Toda esburacada de pedra dourada

A cidade faria, lemos
No parquinho da central ,
Destroçado,
Bons cidadãos se, ao menos,

Pendurasse cadeiras na corrente do balanço
(Cujos halos remanescentes oscilam em fase,
Assim como os cidadãos, em fase...
De jogar conversa fora
De segurar, sem questionar,
O queixo caído
De tanta emoção),

Prendesse tábuas de assento
No sobe-desce da gangorra
(Que nem sobe nem desce:
Permanece...
Inclinada como uma ponta enferrujada
Ao ar
E outra enterrada no liso da areia,
Aplainada pela chuva,
Sem ser brincada,
Enfiada na areia, inerte ao tempo,
Que, aliás, teima em não passar
No lugarejo enterrado na serra,
Num Sossego tremendo,
Sem pressa de mudar),

Colocasse o disco no eixo do gira-gira
E girasse, apenas girasse...
(Como o que sabe não poder decolar,
Mas interessa-se em conhecer
As redondezas do lugar de brincar
E brincar
No mundo tão pequeno
Panorâmico
Sujando-se da beleza do local
Girando
Humilde, mas consciente
De fazer parte de um projeto maior
E deixar a conformidade ignorante)

E acertasse o movimento basculante
Do brinquedo sem nome
(Assim como esta gente praça,
morando na paz de graça.
Gente evoluída que só:
Conversa e deixa o tempo passá,
Sem muita questão pra colocá,
Além de questioná se o tempo vai virá,
E se não tem mais o que fazê pra mó
De fazê a gente daqui dorá mais um tiquinho).

10-01-2006

IV



Faria Lemos a Carangola

Ciscos

As sombras de mãos duplicadas
Vêm das lâmpadas do poste com hastes encurvadas.
Brincam no papel enquanto
Jovens digitalizam suas vidas em fotos
Jogam baralho sob colunas de mármore
E decidem namoricos nas muretas da arvore.

10 minutos antes da última hora,
Vem a força aprisionada nos cristais do caminho,
Aglutinada com a calma das eras
E protegida sob copas de cerca viva e espinho:

A serenidade da natureza,
No embalo dos gritos de insetos,
Grilos, cigarras e sapos ritmados,
Aflora , desterra a beleza

Ciscos nos morros de mata salpicada
Não incomodam, mas botam pra fora,
Fazem chorar
O serpenteio do rio Carangola,
Um segredo na alma e no fundo dos olhos,
Uma estória:

O buxo rasgado da cordilheira
Pelo facão dos tropeiros,
A enxada dos cafeeiros
E os cascos do gado barranqueiro
Desfolha suas entranhas
Em lâminas encr(u)ist(r)adas
De terrena sabedoria:
Brilham a luz que colhem
Brincam com as energias que em si dissolvem
E ensinam como dar luz a um caminho:
Brilhar de amor por detalhes
E brincar o caminho em harmonia.

10 e 11-01-2006