31.3.05

Palavras Amigas

“Mensagem aos Viajantes”

De tudo que me foi dito
Uma mulher, acredito
Preencheria o vazio
De toda alma em estio

Sigo trilhas; conquisto montanhas
Cume, falésias, dunas, cavernas
Acidentes do terreno e da alma
Busca insólita pela taverna

Sobre o mundo repousa o espírito
Este ente, caráter holístico
Ante tudo, sobre nada habita
Desorientando aquele que fica

E assim, a entreter o ciclo
Vislumbra o viajante a mãe Terra
Segue o rumo, indefinido
Perante a qual tudo se encerra
José Roberto Mialichi
31/03/2005

30.3.05

Poeta Alemão

DICHTER

Ter-te
O Teu
Ser Teu
Absorto em Ti
O poeta é Teu
Enquanto o Teu é do poeta
E segue tua trilha rumo ao eu
Tanto o Teu quanto o Meu

A poesia é Tua
Coleta os favos de Mel
Inclina-os
E deixa escorrer o Teu Eu
Lambuza-se de Ti
Infiltra-se do Ti
Seja o Te
Um sentimento
Um momento
Objeto
Esquecimento
Um pensamento
Seu ou Teu

Ser o Teu
Quando as curvas elásticas do S
Acomodam os ângulos do T
Fazendo do Teu Seu
Numa simbiose almofágica
Num voyerismo dissimulado
Pois arde a presença do Dich no poeta
Que aglutina Teu sER em TER
Transfigura Mich em DICH
Nascendo como DICHTER,
Um poeta em ser!


Lucrécio Rodrigues Torres
30/03/2005

18.3.05

Un pò di religione

Culto à palavra

Vossa Excelência, licença para colocá-la nessa brancura,
Parte do seu infindável reino.
Solte-se por essa madeira,
E, de alguma maneira, mostre sua força.
Um piparote já é moldura,
Loucura.
Seu palco é o mundo, é o fundo.
É a clareira sem beira.

Quando colocaram Vossa Santidade na Rocha,
Saímos da Pré
E viramos História.
Nasceu a memória.
Ouvir é glória!
Chega pelo ar nessa parabólica,
Colabora ou apavora: a História.

Vossa Eminência conduz essa peça chamada vida.
É o pé.
A Senhora atravessa os mares, invade os lares,
Afasta as feras, acende trevas.
Permite o culto aos deuses, a fé das montanhas.
É a escada do porão

Sobre a Senhora não há domínio;
Mais forte que Sol,
Define a imensidão;
Mais profunda que o mar,
Mais romântica que o luar.

É-nos cevas.

Sua pá lavra, eleva, cala, safa, mata.
Você, Palavra, semeia
O Amor,
A dor,
Cultiva o sabor,
Planta o saber,
O viver: amplitude celeste.
Sem você, tudo some: a ciência, a religião...
Chegaria, Mestre, a peste.

Na medida em que ficamos íntimos,
E os pronomes tornam-se amigáveis,
Aproxima-se da natureza destinada, a de ser Humano
Graças ao seu infinito, existe ser humano.
Sem seu infinito,já éramos-
Clamor

BIU
14/10/1999

14.3.05

Gratidão

Na sombra

Muitas palavras já foram ditas,
Dentre as quais, há aquelas às arvores.
Eis mais algumas:
Sois a fonte de minha nutrição.
Suprais-me.
Algo de vós me deixa em suspensão.
Talvez a seiva.
Inundais-me de tal modo que às vezes explode uma explosão.
Afagais-me.
Viciais-me.
Acalmais-me.
Aquietais-me.
Chego até a me expor aos maltratos do vento, do frio,
Pois sei que a seiva é infinda.
Chego até a dispensar o Sol, a Primavera.
Pois sei que o calor é imediato.
Largo-me ao sabor dos ventos uivantes.
Chicoteio,
Vibro,
Oscilo, bestamente,
Pois sei que o pedúnculo é o mais intenso.
Abro o braço a tempestades.
Tomo cada pancada, mas me safais de cada.
Venceis a gravidade.
Sois imbatíveis.
Às vezes me enrolo e num espinho me transformo.
Às vezes me alargo e a vitória-régia do riacho está a cargo.
Permitis a metamorfose.
A redemoinhos faço pose.
Sonho na mais bela flor desabrochar,
Um inseto de pólen lambuzado hipnotizar.
Para num fruto evoluir.
Para ao chão direto ir.
Uma semente, esse glomérulo do amor, liberar,
No solo me infiltrar, brotar, crescer, crescer, crescer, viçosamente.
A ponto de uma certa altura ultrapassar.
E sob minha sombra para sempre vos resguardar,
Infinitamente, grato pela seiva que me faz viver,
Pelo Amor que de tão intenso,
Não conseguis conter.
Lucrécio Rodrigues Torres
13/02/2002

13.3.05

Anita

Odes Materna

Mãe, no seu ventre vivo o tempo!
Daí nasci e daí saí!
Retirei minhas primeiras energias. De você me nutri!
E, desde que saí, do seu peito vem meu sustento!
De onde eu tirava o leite puro,
Chega, a todo pulo, o amor seguro,
Onde me agarro enquanto a Terra gira!

Mãe, sou um fruto de você!!
Me orgulho de brotar de tal árvore!
Sou uma borboleta viciada em sua sombra!
Sou um pássaro, que, no seu ombro, fez o ninho!

Mãe, um Deus na Terra!
Aquela que do Olimpo fugira
Para sentir tamanha alegria:
A de povoar o mundo de vida!

Só mesmo um coração tão grande como o seu
Pode conter tanta felicidade!
Lembre-se: De você vem nossa vida;
Sem você não temos saída!

BIU


Como és bela, minha Mãe!!
Os movimentos, dotados de sem igual suavidade,
Fazem-te única, ao exalar o mais tenro amor.
A pureza desprende-se de tua maternidade
Como leite, a navegar todo sinal de dor.

Flutuas numa atmosfera de felicidade,
Processas tua contínua dor em feixes de sorrisos.
De certa moça e casal perdidos,
Emites selos que extirpam a opacidade.

Tua beleza é eterna, indivisível, imutável.
Pois é uma idéia. A idéia.
Acessível a todos, mas real só pra mim.

Não temas, minha mãe!!
E temas, minha mãe,
Pois teu temer faz de ti minha mãe!

BIU
7/10/2002

Modigliani

Una Modita sur l'Amour

Contrair o dorso
E recolher,
Erguer as espáduas
E absorver
O medo de fazer sofrer
Que acomete o real amador
Ao beijar torto o ente.

Dói-lhe demais qualquer injúria
E os dedos pintam, reféns da dor,
Harmonizam as fagulhas.

Recolher num reflexo
Que pode ferir
Por demais exaltado
E cerneoso
Receoso
Cerceoso
Ser-se os Ou
Na ânsia de ser e viver.

Viver como espelho do amor
Sem impressões
Nem as digitais
Intocavelmente viver
E fiar-se na fé
De ter o ser
Independente de ter
Para fazer do mi alegria
Do ti euforia
E do si o se da anarquia
Em busca da música da paz
Que não existe na alma que ama.
Culpa do jorro da dor
Que trata de esculpir as suavidades dessa alma
Como o tempo faz os riscos da palma

BIU
12/03/2005

10.3.05

Morte, Ciência Brasileira e Samba

Ciência e Arte
(Cartola e Carlos Cachaça)

Tu és meu Brasil em toda parte
Quer na ciência ou na arte
Portentoso e altaneiro
Os homens que escreveram tua história
Conquistaram tuas glórias
Epopéias triunfais
Quero neste pobre enredo
Reviver glorificando os homens teus
Levá-los ao panteon dos grandes imortais
Pois merecem muito mais
Não querendo levá-los ao cume da altura
Cientistas tu tens e tens cultura
E neste rude poema destes pobres vates
Há sábios como Pedro Américo e César Lattes

PS: Ontem, 09/03/2005, morreu em Campinas, Cesare M. G. Lattes, um dos icones da ciência nacional, figura entre figuras que procuram promover a tão sonhada hegemonia nacional, acreditam que através da educação pode-se alavancar uma nação, escavam pelo buraco do subdesenvolvimento em busca de alternativas sólidas, orgulham-se de seu país e sonham ver espontâneo um sorriso na face de todo brasileiro. Nesse sentido achei oportuno esse samba, sinônimo de alegria ainda que imerso em tristeza...

3.3.05

Pessoas no tempo

Uns Versos Quaisquer
Fernado Pessoa

Vive um momento com saudade dele
Já ao vivê-lo . . .
Barcas vazias, sempre nos impele
Como a um solto cabelo
Um vento para longe, e não sabemos,
Ao viver, que sentimos ou queremos . . .

Demo-nos pois a consciência disto
Como de um lago
Posto em paisagens de torpor mortiço
Sob um céu ermo e vago,
E que nossa consciência de nós seja
Uma cousa que nada já deseja . . .

Assim idênticos à hora toda
Em seu pleno sabor,
Nossa vida será nossa anteboda:
Não nós, mas uma cor,
Um perfume, um meneio de arvoredo,
E a morte não virá nem tarde ou cedo . . .

Porque o que importa é que já nada importe . . .
Nada nos vale
Que se debruce sobre nós a Sorte,
Ou, tênue e longe, cale
Seus gestos . . . Tudo é o mesmo . . . Eis o momento . . .
Sejamo-lo . . . Pra quê o pensamento? . . .
11.10.1914
Realidade
Álvaro de Campos

Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos...
Nada está mudado — ou, pelo menos, não dou por isto —
Nesta localidade da cidade ...

Há vinte anos!...
O que eu era então! Ora, era outro...
Há vinte anos, e as casas não sabem de nada...

Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram!
Sei eu o que é útil ou inútil?)...
Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)
Tento reconstruir na minha imaginação
Quem eu era e como era quando por aqui passava
Há vinte anos...
Não me lembro, não me posso lembrar.

O outro que aqui passava, então,
Se existisse hoje, talvez se lembrasse...
Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro
De que esse eu-mesmo que há vinte anos passava por aqui!

Sim, o mistério do tempo.
Sim, o não se saber nada,
Sim, o termos todos nascido a bordo
Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer...

Daquela janela do segundo andar, ainda idêntica a si mesma,
Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais
lembradamente de azul.
Hoje, se calhar, está o quê?
Podemos imaginar tudo do que nada sabemos.
Estou parado físisca e moralmente: não quero imaginar nada...

Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro,
Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado,
Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente.
Quando muito, nem penso...
Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,
Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.

Olhamos indiferentemente um para o outro.
E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol,
E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.

Talvez isso realmente se desse...
Verdadeiramente se desse...
Sim, carnalmente se desse...

Sim, talvez...

1.3.05

Rito à Linguagem

Código Virtuoso

Levanta dos percalços do sono
Um reexame dos ditames do acaso
E o rico perdurar dos zigues-zagues
Recobram afago (im)pedindo que os largue

A transfiguração da idéia fosca
Em sentido lingüístico
Gera construção da branca mosca
Sobre o papel meta e artístico.

O corte seco do charuto
É preciso, direto e enxuto,
Contra o discurso da fumaça cubana,
Rebuscado, fractal em sua gana,
Repleto de balbucios e balbúrdias,
Enfeitado de aparentes nonsenses e rédias.

A análise da virtude da virtuose
Expõe um narcisismo fétido,
Um palanque imóvel pela trombose
Das veias de arte do moleque ávido.

Sombras dos signos iluminados pela história,
Os significados não ficam,
Ultrapassam o tempo e não se findam
Nem em si, nem na civilizatória memória

Vivemos sob o código das idéias
Maestro de minúsculos filetes de protoplasma no cérebro
Rumo à música do paraíso da compreensão,
À sinfonia da harmonia e do mundo em vão


Lucrécio Rodrigues Torres
01/03/2005